Como os médicos devem agir quando os hospitais estão superlotados e não há equipamentos para atender a todos

Sob o título “As perguntas mais difíceis que os médicos podem enfrentar: quem será salvo? Quem não?”, o jornal New York Times publicou uma reportagem que descreve uma das situações mais difíceis enfrentadas por profissionais de saúde em momentos de epidemias, guerras ou desastres naturais. Quando os hospitais estão superlotados ou não há equipamentos suficientes para atender a todos, como escolher quem deve morrer?
Na época do furacão Sandy, em 2012, por exemplo, a médica Laura Evans se viu diante de um ime. Os principais geradores do Hospital Bellevue, em Nova York, parariam de funcionar e ela teria apenas seis tomadas para atender os 50 pacientes internados. “Precisamos de uma lista”, pediram, colocando a decisão final nas mãos de Laura.
Caso as previsões mais pessimistas a respeito da epidemia de coronavírus se concretizem e se repita em outros países o que aconteceu na China e na Itália, a Dra. Laura e outros médicos ao redor do mundo precisarão tomar decisões semelhantes. Quais critérios devem ser usados na escolha?
“Escolher entre pacientes vai contra a essência da nossa profissão”, disse ao New York Times Marco Metra, chefe da cardiologia de um hospital em uma das regiões mais atingidas da Itália.
Nos Estados Unidos, existem algumas diretrizes que norteiam essa decisão determinadas por “planos de racionamento para pandemias graves”. Alguns são considerados desatualizados e estão sendo revisados para o surto de coronavírus.
Entretanto, pondera a reportagem, não há consenso de que as estratégias apontadas por esses planos salvariam mais vidas do que um sorteio aleatório para definir quem deveria receber um respirador ou ser internado numa UTI. Uma loteria, apontam alguns, seria inclusive mais justa para evitar preconceitos contra aqueles que tenham doenças pré-existentes, por exemplo. Como o governo dos Estados Unidos ainda não determinou quais critérios seguir para o surto de coronavírus, associações médicas e hospitais estão discutindo seus próprios planos.
O conceito de triagem de pacientes teve início nos campos de batalha de Napoleão. O cirurgião-chefe do líder militar francês, Baron Dominique Jean Larrey, concluiu que os médicos deveriam atender primeiro aos feridos mais perigosos, sem levar em consideração patente ou classe social. Mais tarde, os médicos acrescentaram outros critérios, que incluíram a probabilidade de alguém sobreviver ao tratamento e quanto tempo levaria para eles se recuperarem.
O Dr. Frederick M. Burkle Jr., médico durante a Guerra do Vietnã, elaborou critérios de como lidar com as vítimas de um evento bioterrorista. Suas ideias foram postas em prática nos hospitais de Toronto, no Canadá, durante o surto de Sars, em 2003, e, nos dos EUA, na pandemia de H1N1. “Eu disse à minha mulher: ‘Acho que desenvolvi um monstro’”, lamentou Dr. Burkle numa entrevista.
O que o preocupava eram protocolos rígidos para determinar o não uso de respiradores ou para a internação hospitalar. Alguns usaram a idade como ponto de corte, outros doenças pré-existentes, como câncer em estado avançado, insuficiência renal ou comprometimento neurológico grave.
Os hospitais chegaram a cogitar distribuir respiradores por ordem de chegada, mas acharam que isso poderia prejudicar aqueles que moravam longe dos hospitais. Alguns cogitaram priorizar médicos e demais profissionais que arriscaram suas vidas durante a pandemia. Outros, pontuar os pacientes com base na probabilidade estimada de sobrevida a curto e longo prazo. Um sorteio pareceu o meio mais justo.
Ao se ver diante daquele ime provocado pelo furacão Sandy, a Dra. Laura e seus colegas chegaram a colocar de prontidão dois funcionários ao lado de todos os pacientes que dependiam de respiradores para que pudessem espremer manualmente o oxigênio nos pulmões usando ventiladores manuais.
Olhando para trás, Dra. Laura acha que os pacientes e suas famílias tinham o direito de saber que suas máquinas poderiam ficar sem energia, mas não foram informados. Os médicos também não pensaram em perguntar se algum paciente poderia, voluntariamente, abrir mão de uma máquina para que ela pudesse ser fornecida a outra pessoa.
No fim, o improviso e a solidariedade impediram um desfecho trágico em Bellevue. As bombas de combustível do gerador falharam, mas voluntários transportaram diesel manualmente 13 lances de escada. Os pacientes foram mantidos com geradores até serem transferidos para outros hospitais.
“Eu me lembro muito bem”, disse Laura ao New York Times. “Aquele momento ficará comigo para sempre”.
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