A arqueóloga Niède Guidon morreu nesta quarta-feira, 4, aos 92 anos, em sua residência em São Raimundo Nonato, Piauí. A informação foi divulgada pelas redes sociais do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. A causa da morte não foi informada.
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Educada no Brasil e na França, Niède esteve à frente das principais pesquisas arqueológicas na região da Serra da Capivara, onde coordenou a identificação de centenas de sítios pré-históricos a partir da década de 1970, relata a Agência Brasil.
Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ela catalogou mais de 700 locais de interesse arqueológico, entre os quais 426 painéis com pinturas rupestres e vestígios de habitações humanas antigas.
“Com coragem, paixão e compromisso com a ciência, fundou a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) e lutou por décadas para proteger e divulgar a riqueza arqueológica do Brasil”, declarou a direção do parque, em comunicado.
“Sua trajetória deixa um legado imensurável para a ciência, a cultura e a memória do nosso país. Seu nome está eternamente gravado na história.”
Niède Guidon também foi responsável por iniciativas de preservação e educação ambiental na região do semiárido do Piauí. Doutora pela Universidade de Paris, ela desenvolveu, por meio de suas pesquisas, teorias inovadoras sobre a ocupação humana nas Américas.
A teoria defendida por Niède Guidon propõe que a ocupação humana nas Américas ocorreu muito antes do que sugerem as teorias tradicionais, como a de Clóvis. Por tais teorias, a chegada do homem às Américas ocorreu há cerca de 13 mil anos, pelo Estreito de Bering, então congelado.
O fenômeno teria possibilitado, segundo tal tese, a agem entre a Sibéria e o Alasca, até o homem chegar, por meio da América do Norte, ao continente sul-americano.
A tese de Niède causou impacto especialmente por desafiar a ideia de uma única rota migratória e sugerir um povoamento muito mais antigo e complexo do continente. Essa hipótese contrariou o consenso acadêmico durante décadas e gerou intenso debate na comunidade científica.
Com base em escavações na Serra da Capivara, no Piauí, ela apresentou evidências, como ferramentas de pedra e restos de fogueiras, de que, segundo suas análises, os homens teriam chegado à região há pelo menos 50 mil anos. Os vestígios, garantia ela, poderiam chegar a 105 mil anos na Serra da Capivara.
O governo do Piauí destacou, em nota, que a atuação da arqueóloga impactou diretamente a vida de moradores da caatinga desde sua chegada à região, em 1973.
“Tornou sua missão o reconhecimento destas riquezas e transformou a vida de sertanejos com diversos programas sociais”, ressaltou o governo estadual. “Para ela, desenvolver e prosperar o Parque Nacional da Serra da Capivara era sinônimo de melhorar a vida de cada piauiense que por ali se encontrava.”
Em 2024, Guidon recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2024, concedido anualmente pelo CNPq, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Marinha do Brasil, em reconhecimento a cientistas brasileiros com contribuições relevantes para o avanço da ciência no país. A entrega ocorreu durante a Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Ao longo da carreira, ela também recebeu diversas condecorações, entre elas o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Cultura, o Green Prize da organização Paliber, o Prêmio Príncipe Klaus, concedido pelo governo da Holanda, o título de Cientista do Ano pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e o título de Chevalier de La Légion d’Honneur, da França. Guidon também foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico do MCTI.
Niède Guidon inspirou livro
A trajetória da arqueóloga inspirou o livro Niède Guidon — Uma Arqueóloga no Sertão, de Adriana Abujamra. A autora descreve a atuação da pesquisadora no interior do Piauí e destaca seu papel na inclusão de mulheres em funções ligadas à conservação ambiental.
“Ela proporcionou uma revolução das mulheres”, afirmou Adriana. “Ela contratou só mulheres para porteiras do parque. A chefe do parque hoje era uma menina quando a Niède chegou. Ela foi inspirada pela Niède. Ela falava em proteção do meio ambiente numa época em que pouca gente falava disso. Se não fosse o trabalho dela, talvez nem tivéssemos as pinturas rupestres e a fauna e a flora preservadas.”
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A escritora também lembra que Niède teve papel central na criação de instituições de ensino na região.
“Ela colocou o Brasil no mapa da discussão da arqueologia do mundo na questão da ocupação das Américas por mais controversa que fosse a posição dela naquela época”, observou Adriana.
“A importância dela vai muito além da arqueologia. A Niède transformou aquela região. A primeira universidade federal no interior do Nordeste existe em São Raimundo Nonato pelo afinco dela.”
O diretor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Alexandre Kellner, acrescentou o legado que Niède deixará também em outras áreas.
“As contribuições realizadas pela professora Niède Guidon ficarão reverberando por bastante tempo, não apenas no campo da arqueologia, mas também em todos aqueles que atuam para a preservação do patrimônio científico, histórico e cultural do nosso país.”
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