Ilustração: Benjavisa Ruangvaree/Shutterstock
Edição 189

Pensar liberta

Povo que pensa elege bons representantes; povo que pensa fiscaliza seus representantes; povo que pensa não permite que quem não tem representação do voto vá além de seus limites

No último dia 30, fez um ano que Lula foi eleito pela terceira vez, com 50,8% dos votos válidos. O dia anterior fora Dia Nacional do Livro, que faz lembrar Castro Alves: “Ó bendito o que semeia livros a mancheias/ e manda o povo pensar”. O povo pensar é essencial para que ele exerça o poder que dele se espera se o regime for democrático, em que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, como estabelece o primeiro artigo da Constituição.

Povo que pensa elege bons representantes; povo que pensa fiscaliza seus representantes; povo que pensa não permite que seus representantes ou seus servidores se desviem de seus deveres; povo que pensa não permite que quem não tem representação do voto vá além de seus limites; povo que pensa não se deixa enganar por falsos rótulos, falsas verdades, falsos arautos.

O crime tomou conta do Rio de Janeiro porque os cariocas ou ficaram esperando uma salvação ou se omitiram, e com isso permitiram por décadas que o crime fosse se institucionalizando, a ponto de criar territórios próprios

Se estamos satisfeitos com a segurança pública, com nossas cidades, com nossos políticos, com nossa perspectiva de futuro, então talvez seja porque nos alienamos, à espera da mão divina para nos trazer um país melhor. Não sei se os eleitores pensaram mil vezes antes de votar e se informaram, para exercer a pesada responsabilidade do voto. Suponho que saibamos das consequências de nossas decisões nas urnas. Não sei se os deputados, vereadores e senadores também são pessoas que pensam a respeito do que eles representam, do que se espera deles e de qual é o compromisso deles. Não consigo imaginar o que pensam os ministros do Supremo quando leem a Constituição ou recordam as aulas de Direito que frequentaram.

Ilustração: Shutterstock

Parece que vamos vivendo uma ficção bem acima da realidade; e a realidade fica embaixo do tapete da alienação. Não existe salvação, a não ser aquela que construirmos. Não será Deus, nem os marcianos, nem a ONU. O crime tomou conta do Rio de Janeiro porque os cariocas ou ficaram esperando uma salvação ou se omitiram, e com isso permitiram por décadas que o crime fosse se institucionalizando, a ponto de criar territórios próprios. Também damos as costas para a Amazônia, como se ela estivesse muito além de Gaza. Enquanto isso, milhares de famílias de produtores brasileiros vão sendo expulsas de lugares onde o Incra as assentou no século ado, para agradar modismos importados e ONGs estrangeiras. A I das ONGs, que fora adiada por ato do Supremo, agora faz terríveis descobertas. No entanto, a omissão está escondendo os resultados, e com o tempo vamos ser surpreendidos e perder metade do nosso país. No ensino, o “manda o povo pensar”, de Castro Alves, foi substituído pela militância à Paulo Freire. Como nosso umbigo nos prende num cordão ainda não cortado, não nos interessamos por isso, pelas escolas que formam o futuro, e o atraso se amplia. Será tarde quando um dia percebermos que o futuro foi perdido. Falta pensar.

Por falta de informação e de conhecimento, ou por preguiça de pensar, deixamos que outros pensem por nós. Temos um 1984, de Orwell, com o “Grande Irmão” invadindo nossas liberdades, enquanto nos distraem pela mídia. O teste da pandemia mostrou que aceitamos até o absurdo de que “essa doença não tem tratamento”. E fomos morrendo por causa de uma mentira repetida, ensinada pelo nazista Goebbels. Mais do que nunca é preciso pensar que a verdade vos libertará, do Evangelho de João. E, enquanto nos vestem fantasias que nos distraem, nos traem, e não sentimos que nos despem de direitos e liberdades. Valem variantes pós-Descartes: penso, logo sou cidadão. Sou cidadão, pois penso.

Foto: Khanthachai C/Shutterstock

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7 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A educação brasileira a lá Paulo Freire substitui o pensar para o militar.

  2. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Gostei muito deste, como de todos os artigos da Revista Oeste. Todos bem escritos e bem fundamentados. Gostosos de ler e informativos, sempre. Começa muito bem lembrando Castro Alves e sua frase, aqui referenciada. Sou um distribuidor de livros, graciosamente. Fui um professor de Português, que valorizava a leitura e tive, na leitura e redação, o meu modo de ensinar. E obtive muito sucesso e muitas alegrias com isso. Mas, voltando ao Alexandre Garcia, jornalista de verdade, pesquisador/leitor para falar/escrever tudo de bom que podemos ler. Pergunto: será que algum professor de História/Sociologia/Filosofia levou aos seus alunos a nossa Constituição para uma simples leitura??? Possivelmente não. Até os universitários de universidades públicas desconhecem-na. Leituras, aí, só doutrinadoras, o que não abre a mente, muito pelo contrário, fecham-na, a sete chaves. Converso com ex-alunos, hoje com filhos nas escolas públicas e eles reclamam que as crianças com 2/3/4 anos de escola ainda não sabem ler. Graças a Paulo Freire, responsável pela retirada das escolas da Caminho Suave – os mais velhos sabem do que falo.. Não vou falar dela justamente para mostrar que a melhor ferramenta foi retirada. COMO PENSAR SEM SABER LER. Fica muito fácil doutrinar. a DOUTRINAÇÃO É UMA DOENÇA CEREBRAL, pois é difícil ouvir de Sociólogo com pós-graduação em universidade pública dizer: o agro vai acabar com o Brasil e o SENAI é uma fábrica de robôs a serviço dos ricos, para escravizar os pobres. Algumas histórias sobre leitura/redação estão no meu livro Crônicas da vida de um professor, vol. 1 e mais no volume 2, a sair.

  3. Giovani Santos Quintana
    Giovani Santos Quintana

    O artigo faz parecer que a fé é inútil…claro que temos que fazer a nossa parte, mas não nos esqueçamos da fé.

  4. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    “Cogito, ergo sum” – Penso, logo existo. – René Descartes.
    Alexandre Garcia com sua sapiência de décadas de jornalismo apresenta-nos um retrato fiel da maioria da nossa sociedade.
    Pensar dá muito trabalho.
    Depois de décadas de escolas militantes quando o ato de pensar foi colocado em plano inferior, não poderíamos esperar um cenário muito diferente do atual para o nosso país.
    Nasci no interior de São Paulo, cresci no Paraná, morei na Bahia e hoje resido em Santa Catarina.
    Sou casado com uma cearense, minha nora é maranhense e meu genro é paranaense filho de paraibano. Todos seres pensantes.
    Fico assombrado quando vejo alguns brasileiros criticarem os nordestinos que há décadas votam na esquerda.
    Assim o fazem justamente por não terem adquirido no ambiente escolar ou no seio familiar o saudável hábito de pensar.
    Se assim age a esquerda é porque eles não querem um Brasil próspero, mas sim colocar o Brasil no mesmo patamar que os políticos colocaram o Nordeste.

  5. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    “Não pense o que o seu país pode fazer por você. Nem mesmo o que você pode fazer pelo seu país mas pense o que você pode fazer por você que indiretamente você estará fazendo pelo seu país”.

  6. renato rodrigues de souza
    renato rodrigues de souza

    A revista Oeste é um leitura instigante .Os articulistas, e o nobre Alexandre em particular, são um espetáculo aos cerébros pensantes. Parabens. Me tornei há pouco e me delicio cada vez mais com a revista.

  7. Susana Denise Zimmer
    Susana Denise Zimmer

    Excelente comentário; uma aula de civilidade e conhecimento! A cada eleição apostamos que o Eleito resolverá nossa vida!

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