Gabriela Abdalla, psicóloga especializada no tratamento de dependentes químicos | Foto: Arquivo Pessoal
Edição 207

Gabriela Abdalla, psicóloga: ‘Para dependentes químicos você dá limites, não dinheiro’

Há 14 anos atuando com viciados, ela é contra a vitimização e a autopiedade do usuário de drogas

No Brasil, quase 30 milhões de pessoas têm algum dependente químico na família. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em média, 6% da população brasileira faz uso de algum tipo de droga, com dependência. São mais de 12 milhões de pessoas. Com 14 anos de experiência no tratamento de dependentes químicos, a psicóloga Gabriela Abdalla, de 42 anos, recentemente viralizou na internet quando um paciente publicou o vídeo de uma de suas reuniões. Sua forma firme de falar, de modo direto e contrário à vitimização, agradou muita gente. E renovou a esperança de familiares que já haviam deixado de acreditar no tratamento. 

Ao mesmo tempo, a postura de Gabriela cutucou um vespeiro. O Conselho Regional de Psicologia, grupos de esquerda e alguns profissionais de classe frequentemente a criticam e rotulam o tratamento da psicóloga como “agressivo”. “Há muito floreio e romantização nesse meio”, observou Gabriela. “Eles colocam os dependentes químicos em uma posição de vítima. O certo é jogar para eles a responsabilidade.” Em meio a tantos likes, pedidos de socorro e denúncias sobre seus métodos, a psicóloga esclarece sua abordagem por meio da experiência de campo. E, sobretudo, enfatiza os efeitos irreversíveis do uso abusivo de drogas. 

Confira os principais trechos da entrevista.

Quando a senhora começou a trabalhar no tratamento de dependentes químicos">
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Quais são as diferenças entre os tratamentos voluntário, involuntário e compulsório?

Enquanto na condição voluntária é o sujeito que procura o tratamento, na involuntária é a família que procura a instituição. Na compulsória, precisamos de uma autorização judicial para resgatar o sujeito das drogas. Muitos não aceitam, daí vem a internação involuntária. Uma pessoa pode perder totalmente o juízo crítico e cometer as maiores insanidades. Logo, uma família pode, para se autopreservar, solicitar esse tipo de internação. Muitas pessoas a criticam, mas a dependência é um sofrimento para as famílias. 

Em quais dessas internações a sobriedade se manteve por mais tempo?

Muitas vezes, o sujeito vem de forma voluntária, bem magro, engorda — e volta para o mesmo lugar. Há muita reincidência na internação voluntária. É um trabalho de formiguinha, mas vejo recuperações. Conheço pessoas com 60 internações, que aram por comunidades terapêuticas por dez, 20 vezes. É preciso uma rede de apoio para manter a sobriedade.

Como é possível resolver a reintegração social do indivíduo que saiu das drogas?

Acho que é preciso um olhar mais profundo, e não só do poder público. Penso que há pessoas em nível nacional com condições melhores, que podem ajudar a desenvolver projetos de reinserção social, com trabalho. Porque eles têm comida, cobertores, doações. E fica nisso. É difícil os ex-dependentes se reintegrarem à sociedade de forma digna, em razão dos atos infracionais que cometeram durante o uso da substância. 

O uso recreativo influencia o sujeito a cair no uso abusivo?

Fico irada com pessoas informadas que escolhem as drogas. Quando alguém opta pelo uso recreativo, assume o risco de dependência, porque você não sabe se tem a predisposição. Quem faz uso da substância química demora para reconhecer a dependência. A jogada de mestre das drogas é causar dependência para aumentar o fluxo de caixa de quem ganha com isso. 

É mais fácil tratar mulheres ou homens?

Tratar a dependência química em mulheres pode ser mais desafiador por várias razões. Elas tendem a enfrentar estigmas sociais mais intensos em relação ao uso de drogas, o que dificulta a aceitação. Existem questões hormonais e biológicas, aspectos psicossociais e experiências traumáticas. Isso exige uma abordagem mais sensível. Isso tudo pode aumentar os comportamentos agressivos. Faço uma reunião com elas em que começo a Oração da Serenidade e, logo depois, elas discutem entre si.

Qual é a opinião da senhora sobre o atual tratamento de dependentes químicos">“O perigo da liberalização das drogas para consumo próprio”

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5 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Parabéns pelo trabalho, Gabriela.

  2. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Gabriela, você está de parabéns pelo seu trabalho, pela sua visão sobre este problema que é crucial para muitas pessoas, para muitas famílias que são as maiores sofredoras. Pergunte à família do drogado o que ela acha da situação? É de uma tristeza desconcertante. Os tratamentos, como bem disse ela, devem ser sérios – sem vitimização – sem frescurite – sem mimimi – isto tudo não ajuda. Seriedade, disciplina, limites e não dinheiro como o programa idiota do Haddad. Conheci uma mãe que se cansou do filho. Deixou ele numa casa dela e ele vendeu tudo que podia vender para comprar drogas. Inclusive portas e janelas. Descriminalizar o porte é tudo que o tráfico está pedindo. Com certeza, os ganhos aumentarão – não perderão mais o produto para a polícia. Talvez neste aspecto fosse interessante a diminuição penal – uma grande parte de traficantes são menores – 14 para cima, até 18 – para não ser preso.. Por último, este conselho regional de psicologia é como todos os conselhos profissionais do Brasil – não servem para nada. Aliás servem sim – cobrar as mensalidades para uma turma de vagabundos se locupletarem.

  3. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    tenho caso de dependente químico na minha família, um filho de 32 anos, totalmente desfuncional !
    4 internações compulsórias, 01 tratamento alternativo sem internação (não funciona)
    volta e meia recaídas !!

    sou totalmente à favor do método da psicóloga Gabriela Abdalla !! está certinha parabéns pelo trabalho Gabriela!

  4. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    Louvável o trabalho de todas as pessoas que se dedicam aos adictos. São uns infelizes que encontram anjos.

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