YouTube TV, novo serviço de streaming que oferece TV ao vivo | Foto: Rafapress/Shutterstock
Edição 220

Globo x YouTube: a luta da década

A emissora descobriu seu grande inimigo. E tudo leva a crer que vai perder essa guerra

Vamos voltar a março de 1963, numa casa de classe média de São Paulo. O centro das atenções da sala é um televisor Landgraf de 21 polegadas, preto e branco, pois a cor ainda não havia sido inventada para aquela telinha brilhante.

A TV tem uma chave com 13 opções, mas apenas cinco estão disponíveis. As crianças já assistiram ao programa Pullman Junior e reclamaram que o desenho do Plic, Ploc e Chuvisco era repetido. Chega a noite, quando a família se reúne no sofá para o horário nobre. 

No Canal 2, a grande atração é um programa chamado Nossa Cantina, seguido pelo jornal Teletipo. Na TV Tupi, Canal 4, a programação é meio genérica: Telejornal, Musical Variado e Histórias Inesquecíveis

O Canal 5 — futura Rede Globo — transmite um programa de prêmios chamado Pra Ganhar É Só Rodar. No Canal 7, ninguém pode perder as séries Turma dos Sete, Zorro e Paladino do Oeste. Nossas opções acabam no Canal 9, a TV Excelsior, com programas também genéricos, anunciados como Show Musical e Humorístico e Últimas Notícias.

E era isso o que se tinha. Tudo precário, com as emissoras equilibradas na mesma condição modesta de oferecer o que tinham — o que não era muito.

Dois anos depois, esse panorama morno mudou com a criação da Rede Globo de Televisão. Especialmente a partir da década de 1970, a Globo desenvolveu tamanho grau de profissionalismo que transformou todos os concorrentes em canais alternativos lutando pela sobrevivência. 

Quase todo o país ou a assistir à Globo. E com o tempo formou-se uma rotina nacional: novela das seis, novela das sete, Jornal Nacional e novela das oito. 

Sérgio Chapelin e Cid Moreira, na bancada do Jornal Nacional na década de 1970 | Foto: Wikimedia Commons

Mesmo que você não estivesse em casa, a Globo o perseguia com monitores instalados em bares, restaurantes, hospitais, praças do interior, salas de atendimento. Para onde você olhasse, havia a bola platinada dentro da outra no logotipo da emissora fazendo o som do “plim-plim”.

As travessuras do gatinho na tela

Esse poder absoluto da Globo esmagou a concorrência. Às vezes surgia algum desafio — como a Rede Manchete, durante os anos das novelas Dona Beija e Pantanal —, mas eles não se sustentavam por muito tempo. 

O reinado da Globo começou a deixar de ser absoluto em 1990, com a introdução no Brasil das TVs por . Ela já não enfrentava mais cinco concorrentes limitados, mas uma rede de opções de canais segmentados. Um canal de esportes ou outro de vendas jamais igualariam a audiência da Globo. Mas sinalizavam para a fragmentação do mercado publicitário e do próprio universo de espectadores. 

aram-se 17 anos até que surgisse um novo competidor, que ninguém levou a sério na época. Em 19 de junho de 2007 foi lançado o YouTube no Brasil. Os diretores da Rede Globo e dos outros canais provavelmente deram risada daquele sistema de vídeo pela internet, onde qualquer um podia mostrar as imagens de suas férias ou as travessuras de seu gatinho. 

Página inicial do YouTube | Foto: Annette Shaff/Shutterstock
60 anos de ascensão e queda

Mas as risadas viraram sorrisos amarelos em 2011, quando estreou no Brasil um serviço chamado Netflix. Com a implantação dos serviços de streaming, a segurança absoluta do gigante do “plim-plim” apresentou rachaduras. Esses serviços se multiplicaram — Amazon, Disney, Apple lançaram seus streamings, e novidades não param de surgir. Os espectadores começaram a se perguntar: “Por que eu vou assistir à novela da Globo se tenho centenas de filmes e séries à minha disposição, no momento que eu quiser">

YouTube video

Mas a Globo sabe muito bem que o YouTube é hoje sua maior ameaça. Em reunião realizada no início de março em São Paulo, a empresa anunciou que vai investir R$ 5 bilhões neste ano, especialmente no serviço de streaming GloboPlay. Que já está sendo oferecido gratuitamente, por exemplo, no pacote da operadora Claro TV.

A Globo ainda tem a oferecer números que impressionam. Segundo a direção de programação e marketing da emissora, só a novela das 21 horas alcança “70 milhões de brasileiros por semana”, e o BBB chega a “110 milhões de brasileiros”.

A CNN americana virou uma espécie de GloboNews do Partido Democrata, dedicada a destruir o candidato Donald Trump todos os dias

CNN = ‘Cancele o Canal Agora’

O fenômeno não acontece só no Brasil. Levantamento do instituto Nielsen mostra que, nos Estados Unidos, o YouTube tem quase 10% do share, só perdendo para a Disney (que reúne as redes ABC, ESPN, o streaming Disney+ e a Hulu), que tem 11,5%. Todo o resto fica para trás — NBCUniversal, Paramount, Warner Bros. Discovery e Netflix. “Antes um depósito de vídeos amadores”, define matéria do Wall Street Journal, “o serviço [YouTube] de propriedade do Google/Alphabet tornou-se um gigante do streaming, com filmes completos, séries altamente produzidas, destaques esportivos e eventos ao vivo”.

Um dos fatores de crescimento do YouTube é que a mídia tradicional e os serviços de streaming gastam uma soma de mais de US$ 100 bilhões por ano em programação (segundo o instituto Ampere Analysis). E o YouTube, de certa forma, não gasta nada. 

O exemplo mais evidente de mudança do panorama é a pioneira CNN. Hoje, em uma semana típica nos EUA, o canal que já foi indispensável atingiu apenas 83 mil pessoas entre 25 e 54 anos. É a pior audiência desde 1991. Virou uma espécie de GloboNews do Partido Democrata, dedicada a destruir o candidato Donald Trump todos os dias. Sua credibilidade desabou junto com a audiência. Seu apelido virou “CNN = Cancel the Network Now” (algo como “Cancele o Canal Agora”).

O alternativo engole o principal

Outro fator de crescimento da empresa é o YouTube TV — um serviço de streaming que oferece para o mercado americano 136 canais (ABC, CBS, Fox, BBC, BET, CNN, Disney, ESPN, Hallmark, MTV, Smithsonian etc.) por US$ 73 ao mês — cerca de R$ 390. O serviço cresceu 60% no número de s em menos de dois anos.

Esse é o típico fenômeno difícil de compreender para quem não está encarando as mudanças radicais do mercado de entretenimento com mente aberta. Nos EUA, o YouTube, que já foi o alternativo de vídeos de férias e gatinhos, hoje lidera o mercado de distribuição de canais convencionais tradicionais. (Não existe previsão de início da operação do YouTube TV no Brasil).

YouTube TV já tem 136 canais e estimativa de 6,5 ​​milhões de s | Foto: Shutterstock
Sem Xuxa nem Jaspion

Com todo esse panorama, a Rede Globo parece estar enxugando gelo. Vai continuar empurrando suas novelas, telejornais e shows tradicionais, esperando que a História se congele.

É uma luta cara e provavelmente inútil no médio prazo. Segundo dados do Ibope citados pelo colunista do UOL Sandro Nascimento, “75% do público atual das emissoras são pessoas acima dos 35 anos”. Como comparação, em 2014, 30% da audiência era composta do público de 4 a 24 anos. Oito anos depois, essa porcentagem havia caído para 15%. 

Essa é a realidade para as emissoras de hoje: as novas gerações não dependem mais da Xuxa, do Jaspion, do Bozo ou do Sérgio Mallandro para se divertir. Elas estão no YouTube, no TikTok ou em algum game no celular. E essa tendência não volta atrás.

A propensão da mídia é se fragmentar em milhões de canais, atendendo a gostos específicos de pessoas que também produzem seus próprios conteúdos. Nesse panorama, tentar garantir para sempre o domínio de um canal centralizador e autoritário sobre um país enorme como o Brasil é apostar que a História caminha para trás.


@dagomir
dagomirmarquezi.com

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10 comentários
  1. Daniel Antônio Gobbi
    Daniel Antônio Gobbi

    Muito boa a reflexão de Motta, aliás, como sempre. Fora #GLOBOLIXO. Fora lulaladrão.
    Sem mais, atenciosamente

  2. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    O problema da Globo não é só oferrcer novelas, o problema é o wokeismo presente, com as cotas de beijos homossexuais e o enaltecimento de personagens bandidos. Alem disso, o posicionamento politco dos “artistas” e pseudojornalistas escancarado enoja a população

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Eu não deixei somente de assistir a Globo, mas também seus satélites. Apesar de gostar de futebol e meu time jogar a série B, cancelei o Premiere (bom que o canal GOAT está transmitindo no Youtube alguns jogos).
    E o principal, sempre que possível, peço para mudar de canal se a TV estiver sintonizada neste canal que virou uma nojeira.

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esse pessoal do STF devia pegar todo dinheiro deles das offshore e bancos asiáticos e bancos europeus e bancos da América Latina e do norte e bancos do Canadá e dos bens que estão em nomes de laranjas tanjerinas e etc, investir na rede globo pra ir pro buraco junto com ela

  5. João Cirilo
    João Cirilo

    De minha parte já faço parte do grupo que exterminou a TV aberta de seu dia a dia.

    Fonte de bobagens e sensacionalismos sem fim, programação pobre e ideológica, recheada de comerciais intragáveis, tornou-se tempo perdido.

    Para informações honestas e programação diferenciada existe um mundo; todo ele fora dos canais abertos.

  6. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Desejo ardentemente que essa emissora lixo vá a falência o mais rápido possível. Faz muito tempo que não sintonizo nesse estrume que se intitula emissora de televisão e como não vejo televisão aberta, nem na TV a cabo, sintonizo nessa porcaria e seus canais. Também não o ao serviço de streaming dessa inutilidade.

  7. Maria Cristina Padula
    Maria Cristina Padula

    Como dizia minha avó:” Não há mal que sempre dure e nem bem que nunca acabe!”
    Faz muitos anos que não sintonizo nessa emissora doutrinadora e sem caráter…

  8. Alessandro Nogueira Silva
    Alessandro Nogueira Silva

    Os anjos dizem amém apesar do perigo que representa todo e qualquer monopólio (a própria G4oubo é a prova), o YouTube varrerá as emissoras tradicionais e isso é inevitável, a pessoa não se sujeitar à programação ou a um catálogo de filmes, mais ainda, poder assistir a um vídeo sobre um assunto extremamente específico. Adeus, g4oubo, não sentirei saudades (há mais de 6 anos não assisto NADA na emissora, nem na g4oubonews).

  9. Adailton Ribeiro de Oliveira
    Adailton Ribeiro de Oliveira

    Deixei de assistir a globo a ais de 5 anos. Acredito que atualmente só assiste a globo quem não tem noção do que é bom, do que de fato faz sentido para nossa vida, pois a globo se tornou um canal de inutilidades e o pior, de futilidades sem pudor algum.

  10. JORGE LUIZ MARETTO
    JORGE LUIZ MARETTO

    Quero que essa GLOBO LIXO se foda-se, composta de canalhas.

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