Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 224

Do telefone de discar ao WhatsApp

Uma viagem pelo tempo com nossa tecnologia pessoal

Nesses 25 anos cobrindo a área de tecnologia, percebi um fenômeno. Cada novidade (que geralmente saúdo feliz e entusiasmado) gera uma onda imediata de reclamações e temores em muita gente. Agora mesmo, vemos a inteligência artificial sendo recebida com temores que vão do “vai me tirar o emprego” ao radical “vai acabar com a humanidade”.

Algumas pessoas curtem a evolução cada vez mais radical da tecnologia pessoal, outras se assustam com ela. E geralmente procuram consolo numa onda de nostalgia. “Bom mesmo é disco de vinil”; “Eu jamais abandonarei os livros de papel”; “Antigamente as pessoas conversavam, não ficavam olhando para as telinhas”; e assim por diante. 

Se a tecnologia pessoal anda tão prejudicial e assustadora, vamos entrar numa máquina (analógica) e voltar no tempo. Vamos conferir quanto a gente era feliz naquela época de rádio AM e telefone de discar. Bons tempos aqueles…

2014

Surge (em 2011) um serviço chamado Netflix que leva filmes até sua casa via internet. Ou seja: vai acabar a alegria de comer pipoca na fila do cinema. Vai acabar também a diversão de escolher DVDs na locadora e pagar uma taxa por cada um deles para ter o direito de assistir a um filme por dois ou três dias. Que pena.

Netflix
Netflix | Foto: Reprodução/Pixabay

Querem acabar também com a diversão de ficar na rua esticando o braço para pegar um táxi (para ir à locadora, por exemplo). Desde 2011 existe um serviço chamado Uber, onde você chama um motorista pelo celular, sabe o carro que vai pegar e quanto custará a corrida. 

Aliás preciso pegar um táxi para entregar um dinheiro que estou devendo a uma prima. Poderia ar por TED ou DOC, mas é noite e o banco está fechado. Vou pedir para o motorista do táxi parar em algum caixa eletrônico no meio da noite para tirar o dinheiro. Daqui a seis anos vai existir um modo de transferência por celular chamado Pix. Mas ele vai ser muito perigoso e arriscado.

Quando voltar para casa vou conversar com um amigo que mora na Austrália através de um programa chamado Skype. A gente consegue ver a pessoa, além de falar! E a taxa por segundo é bem baratinha.

Depois da conversa, vou ouvir minha fabulosa coleção de CDs. Existe um serviço novo chamado Spotify que transmite música pela internet. Mas eu prefiro o som do CD e do vinil. Hoje mesmo comprei um CD duplo importado. Paguei uma nota e gostei só de duas músicas. Mas não quero ficar ouvindo disco pela internet. Quero meu CD prateadinho, com a caixinha em ordem alfabética na minha estante.

2004

A internet já atinge 6,3 milhões de domicílios no Brasil. É o equivalente a 12,2% das residências. Ou seja, quase 90% dos brasileiros não têm o à rede ainda. O que me faz pensar: será que essa história de internet vai pegar mesmo">

YouTube video
1964

Os rádios não estão mais presos à tomada. Ficaram pequenininhos, made in Japan, e funcionam com transistores. Todo mundo tem um radinho. No estádio de futebol, cada torcedor tem um grudado na orelha.

Por outro lado, ninguém pode ter um computador. São caríssimos. Só grandes empresas e organismos oficiais podem contar com os majestosos mainframes IBM. A comunicação à distância também está limitada a profissionais, através do telex e do fax. Com o telex o usuário pode escrever o texto que deseja transmitir numa fita toda furadinha. Supermoderno!

Os discos agora são de vinil. E possuem DOIS canais de som! O esquerdo e o direito. O mundo está enfim preparado para o som psicodélico de um conjunto de cabeludos chamado Beatles (já ouviu falar?).

A câmera Polaroid promete revelação imediata das fotos. Na verdade, em dez segundos para fotos em preto e branco (ou 50 segundos para fotos em cores). A TV no centro da sala continua P&B, com cinco canais. E o esforço para escolher entre todas essas opções?

Propaganda da câmera Polaroid (1964) | Foto: Reprodução
1954

Máquinas de escrever, só mecânicas. De vez em quando é preciso trocar a fita de tinta, e nossas mãos ficam imundas. Os rádios a válvula, dependentes de tomadas, ainda são o centro da casa. Receptores de TV são muito raros, só para quem pode. 

Máquina de escrever Burroughs (1954) | Foto: Reprodução

Os telefones agora possibilitam falar diretamente com a outra pessoa. É incrível, mas não precisamos mais pedir a ligação a uma telefonista. 

1944

A RCA Victor lança um aparelho conjunto que toca discos 78 e tem um rádio no mesmo móvel. Não existe disco de vinil. Nem LP. Só os chamados discos 78 rotações, que tocam música e chiados na mesma proporção. Uma música só de cada lado. E, cuidado, eles podem se quebrar com qualquer movimento brusco. Não se esqueça de trocar regularmente as agulhas.

Propaganda da vitrola RCA (1944) | Foto: Reprodução

Comunicação à distância? Escreva uma carta. Ou, se for urgente, mande um telegrama. O telex e o fax já foram inventados, mas permanecem limitados às grandes empresas. E especialmente aos militares: essas maravilhas da comunicação imediata fazem parte do esforço final para vencer a Segunda Guerra.

1934

Quer ligar para alguém? Peça à telefonista e espere na fila vagar uma linha. Quer se divertir? Saia, vá a um baile, a um bar ou ao teatro. Em seu eio, você pode tirar fotos em preto e branco com a câmera Agfa estilo “caixão”. O filme tem oito poses! Em casa você só tem o rádio e os livros. 

Propaganda da câmera Agfa (1934) | Foto: Reprodução
1924

Deixe o rádio ligado e escreva com caneta e papel. Cansou de escrever, vá ler alguma coisa. Troque de estação, coloque numa música suave. Apague a luz e tire um cochilo no sofá. No escuro, sonhe com o futuro.


@dagomir
dagomirmarquezi.com

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12 comentários
  1. LINDON JONHSON CARANHA DE SOUSA
    LINDON JONHSON CARANHA DE SOUSA

    Dagomir sempre excelente! O acompanho desde da famosa INFO EXAME.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Ótimo texto, parabéns Dagomir.

  3. Claudio Odri
    Claudio Odri

    A vida está muito mais fácil. Pena que nossa inteligência está perdendo a corrida para tanta tecnologia. Parabéns Dagô!

  4. MB
    MB

    Que texto bom. Dá para sacar esse embalo alucinado da existência no século XX. Sen-sa-ci-o-nal, Dagô! 👏👏👏

  5. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    Kkkkkkkkkkkkkk e as 9 horas que meus pais esperavam para dar aos parentes distantes a notícia de uma morte. Quando a ligação se completava lá no Centro Telefônico, o defunto já tinha sido enterrado.

    1. Sandro Luis Batista Soares
      Sandro Luis Batista Soares

      kkkkkkk o meu pai só soube da morte de meu avó, uma semana depois, já na missa de sétimo dia. Por telegrama. E olha que não era longe, só 380 km.

  6. Silvia Salviato
    Silvia Salviato

    Artigo importantíssimo para nossa diversão nostálgica e muitas reflexões! Vão nos chamar de reacionários mas tá valendo, né …. Só por um momento!!

  7. Emilio Sani
    Emilio Sani

    Sensacional, uma viagem no tempo e que mostra como nos acostumamos rapidamente com todas novidades e nem lembramos mais como era antes…

  8. Carlos Pinto de Sampaio
    Carlos Pinto de Sampaio

    Excelente!!!
    Parabéns, Marquezi, pelo excelente texto!!!

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