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Andrei Rodrigues, ditetor-geral da Polícia Federal | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Edição 254

O golpe que nunca existiu

Em conversas privadas sobre sua delação, Mauro Cid diz com todas as letras que nunca usou a expressão 'golpe de Estado' diante da Polícia Federal

Silvio Navarro
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Desde o segundo semestre de 2023, alguém com o aos inquéritos secretos sobre o tumulto do dia 8 de janeiro abastece a imprensa tradicional com informações sobre uma bomba sempre prestes a explodir: a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-assessor de Jair Bolsonaro. O militar já foi ouvido mais de dez vezes pela Polícia Federal. O conteúdo estrondoso até hoje não apareceu. Mas de uma coisa Cid disse ter certeza, conforme revelado nesta semana: “Eu não falei uma vez a palavra ‘golpe’”.

A declaração foi publicada na quarta-feira, 29, pela revista Veja. É a segunda vez que a revista divulga trechos de conversas de Mauro Cid com um interlocutor não identificado, reclamando de coação da Polícia Federal. Na primeira vez, em setembro do ano ado, ele teve de voltar para a cadeia e revisar seu acordo de delação premiada. “Eles estão com a narrativa pronta”. disse na época. “Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles.”

Lira Polícia Federal
Tenente-coronel Mauro Cid | Foto: Reprodução/Marcos Oliveira/Agência Senado

Agora, na segunda reportagem, o militar diz: “Esse troço está entalado, cara. Você viu que o cara ‘botou’ a palavra ‘golpe’? Eu não falei uma vez a palavra ‘golpe’”. Ainda não se sabe se ele será punido novamente pelo ministro Alexandre de Moraes ou se prestará novo depoimento pelo vazamento da delação, guardada a sete chaves, por tanto tempo, pelo STF.

Um fato, contudo, chama a atenção no que disse ou não disse Mauro Cid — e em que condições psicológicas estava — nas idas e vindas da prisão. Se o teor das acusações é grave o bastante para provar a trama golpista e o envolvimento de Bolsonaro, por que o relatório com quase 900 páginas da Polícia Federal não mostra isso? Detalhe: quem assinou intimações para que ele prestasse mais depoimentos foi o delegado Fábio Alvarez Shor, o mesmo que conduz inquéritos contra Bolsonaro, conduziu a chamada Vaza Jato — as conversas atribuídas aos procuradores da operação e ao ex-juiz Sergio Moro — e persegue o deputado gaúcho Marcel van Hattem.

O chefe da corporação, delegado Andrei Rodrigues, falou sobre o tema na segunda-feira, 27, ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Ele disse que a Polícia Federal tem provas de que a democracia esteve em risco na tarde de 8 de janeiro. “O relatório é contundente. Traz vários elementos de prova, e não são convicções dos investigadores, são provas que nós temos nos autos”, disse. “Há toda a sorte de informações, de dados, que nos levaram à conclusão da responsabilidade daquelas pessoas no âmbito policial.”

Uma das perguntas possíveis, que não foi feita pelos jornalistas da imprensa tradicional, seria: em quais páginas estão detalhadas essas provas do que cada um fez? O documento já é público, mas ninguém encontra essas provas nos parágrafos. Seriam conversas amalucadas trocadas pelo WhatsApp? Emojis? A lei brasileira diz que o crime se configura a partir da sua execução. Por exemplo: se alguém resolve comprar uma arma e decide matar o seu vizinho, mas não coloca o plano em andamento, isso não é crime. A única investigação possível é se a posse da arma está legalizada. No caso de militares, há punições istrativas ou judiciais cabíveis, por causa da farda — portanto, por meio da Justiça Militar, jamais do STF.

O que o delegado da PF, o Supremo e a velha mídia já sabem, mas se recusam a aceitar, é que a sociedade ainda espera por respostas para questões primárias: onde estavam os tanques e canhões? De onde partiria a quartelada? Qual seria o destino do Congresso? Seria fechado? Tudo o que se tem até agora é um roteiro que os diretores de Hollywood ou da Netflix não comprariam: um golpe que falhou porque o agente não encontrou um táxi, um Fiat Palio antigo que seria usado no sequestro de autoridades, o envenenamento do presidente Lula e do vice, Geraldo Alckmin, o enforcamento em praça pública de Alexandre de Moraes. É algo parecido com conversa de botequim. Alguém acredita que o mundo assistiria ivamente a cenas de enforcamento a céu aberto no Ocidente? Mais: esse filme seria executado pelos “kids pretos”, uma tropa secreta de elite do Exército, cuja competência descrita pela Polícia Federal, se comprovada, faria inveja ao Mossad — serviço de inteligência israelense que combate o terrorismo.

O delegado Andrei Rodrigues falou sobre Jair Bolsonaro nesta semana. Repetiu o que está escrito no relatório da Polícia Federal, onde consta o adjetivo “inequívoco” sobre a figura do ex-presidente por trás do golpe que nunca aconteceu. O documento diz que ele “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa, que objetivava concretizar o golpe de Estado e a abolição do Estado Democrático de Direito”.

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República | Foto: Reprodução/Agência Brasil

Nesse caso, outra pergunta básica é: quais são os elementos materiais recolhidos sobre esse planejamento, e como pode ter ocorrido algum “ato executório” se nenhum golpe foi consumado? Diz o texto da PF: “As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs [Estações Rádio Base], datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022”.

Não para por aí. Se não é crível que um golpe de Estado possa ocorrer sem pólvora e sem líder, fica ainda mais difícil sem dinheiro para financiar a operação. Num primeiro momento, a PF disse que encontrou indícios de que o levante custaria R$ 100 mil, em cédulas escondidas numa sacola de vinho. É uma cifra pequena para dominar um território com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, mais de 200 milhões de habitantes, tantos Estados, 5,5 mil municípios e fronteiras que funcionam como porteiras abertas — o exemplo mais recente é o de Roraima com a Venezuela.

O delegado Andrei Rodrigues itiu que, depois de dois anos, não achou o financiador. “Muitas vezes, na expectativa de algumas pessoas, haveria um ou dois, ou um grupo de megafinanciadores, com vários milhões de reais para essa atuação orquestrada para o golpe de Estado”, disse. Ele continuou, em tom melancólico: “A investigação provou que não, nós não conseguimos identificar que isso tenha acontecido”.

Não é preciso ser perito criminal para constatar que, quando um documento de quase 900 páginas não consegue demonstrar nada concretamente, alguém falhou no serviço — ou, simplesmente, não havia nada.

Notícia publicada na Veja (29/1/2025) | Foto: Reprodução/Veja
Notícia publicada na CNN Brasil (28/1/2025) | Foto: Reprodução/CNN Brasil
Notícia publicada na InfoMoney (28/1/2025) | Foto: Reprodução/InfoMoney
Notícia publicada na InfoMoney (28/1/2025) | Foto: Reprodução/InfoMoney
Notícia publicada no Poder360 (28/1/2025) | Foto: Reprodução/Poder360

Segundo o chefe da Polícia Federal disse na entrevista, um aditivo ao relatório será apresentado na próxima semana. O calendário coincide com o início de uma nova composição no comando do Congresso Nacional, a mesma que deve seguir até o final do mandato de Lula da Silva e cruzar as eleições de 2026. Trata-se de uma composição que se comprometeu a não “bater chapa” — leia-se “eleição sem adversários” — para avançar com a pauta da anistia aos presos na baderna do 8 de janeiro. O acordo foi feito entre as bancadas de oposição, sobretudo do PL, com aval de Jair Bolsonaro, e o futuro presidente da Casa, o jovem paraibano Hugo Motta, de 35 anos. Caso esse novo trecho do relatório da PF não revele tudo o que o anterior não contemplou, o Congresso deve encampar a anistia ainda neste ano.

Uma coisa, contudo, já é certa: o tenente Mauro Cid disse com todas as letras que nunca falou sobre golpe de Estado com os investigadores. Então quem falou?

Leia também “Se tudo é nazismo, nada é nazismo”

19 comentários
  1. Thais de MORAES Machado Suppo Bojlesen
    Thais de MORAES Machado Suppo Bojlesen

    Eu abri o artigo sem problema algum! NÃO HOUVE GOLPE, TRATAM OS BRASILEIROS COMO IDIOTAS.

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Até a presente data tivemos dois no país dois golpes que se destacam.
    O primeiro a anunciação da república já que ainda carece de proclamação.
    O segundo o STF que hoje se tornou dono do país ignorando a Constituição Federal e todos os tratados jurídicos, impondo à força os seus ideais a serviço de um consórcio nada republicano.

  3. Rosângela Baptista da Silva
    Rosângela Baptista da Silva

    O artigo não está abrindo completamente. Pensei que seria só o meu, mas parece que mais pessoas tbm não conseguiram

  4. ALCINDO ALVES DOS REIS FILHO
    ALCINDO ALVES DOS REIS FILHO

    EXISTE GOLPE DE ESTADO COM MULHERES E IDOSOS DESARMADOS E SEM O APOIO DAS FORÇAS ARMADAS?
    E AS FOTOS DOS VANDALOS QUE QUEBRARAM AS COISAS? QUE SÃO DO MST! ELES ESTAVAM USANDO CAMISAS VERDE E AMARELA! ESTRANHO ISSO!

  5. Lauro Patzer
    Lauro Patzer

    A ideia de Golpe do 8 de janeiro expõe o ridículo de uma narrativa desesperada para atingir Bolsonaro e alijá-lo por completo do cenário político brasileiro. Ela expõe também a atuação criminoso de ministros do STF e TSE, lembrando o “use a criatividade”, protagonizadas por Eduardo Tagliafferro e Airton Vieira. “Eles estão com a narrativa pronta”, disse Mauro Cid. “Eles não querem saber a verdade, eles queriam só que confirmasse a narrativa deles”. E isto não é justiça. Isto é perseguição. O povo precisa voltar às ruas em massa e protestar contra a injustiça e a perseguição sem provas cabíveis, apenas narrativas.

    1. ALCINDO ALVES DOS REIS FILHO
      ALCINDO ALVES DOS REIS FILHO

      CONCORDO. NÃO TENHO A MENOR DÚVIDA QUE O 08/01 É CRIAÇÃO DO CONSORCIO PT-STF.

  6. Lucia Knihs Stiehler
    Lucia Knihs Stiehler

    Não abre o artigo todo, foi censurado TB?

  7. gustavo reboucas da palma
    gustavo reboucas da palma

    Alô Revista Oeste. A programação está péssima.

  8. Joel de Souza Nogueira
    Joel de Souza Nogueira

    Não abre o artigo todo, logo que entrei no artigo parece que rapidamente abriu todo para depois ficar um longo espaço em branco depois de algumas linhas. Que há?

  9. Joel de Souza Nogueira
    Joel de Souza Nogueira

    Não abre o artigo todo, logo que entrei no artigo parece que rapidamente abriu todo para depois ficar um longo espaço em branco depois de algumas linhas. Que há?

  10. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Quem falou não, mas quem tenta criar fantasias para perseguir a oposição são Andrei Rodrigues, Fábio Alvarez Shor, aquele outro delegado, Thiago Severo, se não me engano, que atuou no episódio do aeroporto de Roma para satisfazer a vontade de Alexandre de Moraes, e em troca ganhou um cargo na Europa… São essas criaturas, que são parte do consórcio atualmente alojado no oásis sem povo de Brasília.

  11. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio, entreviste FHC para que nos diga se foi para isso que fez o “L”.
    Importante que nos diga para que fez suas confissões nos seus “diários da presidência”, e foi ressuscitado para articular esse SISTEMA que nos governa.
    Quem sabe estará arrependido e confesse, como fez o ex poderoso presidente do STF e Ministro da Defesa Nelson Jobim, que não houve nenhum golpe no 8 de Janeiro de 2023. Mais, o que FHC acha do VOTO IMPRESSO que o PSDB tanto defendeu em 2014?

  12. Jose Nélson Freitas
    Jose Nélson Freitas

    O 8 de janeiro

    O Brasil realmente é uma piada ou um picadeiro
    Trata-se do primeiro país do mundo onde um golpe de estado é perpetrado por idosos, moradores de rua, pessoas comuns e sem nenhum aparato bélico militar e sem nenhum comandante em chefe. Ou seja, uma aberracao parida de cérebros com problema de anencefalia

    1. MNJM
      MNJM

      A farsa do golpe do 8 de janeiro. So um ser sem cérebro pode acreditar que aquela baderna seria um golpe de estado.
      Tudo foi muito bem planejado. O governo foi informado do risco da baderna com antecedência, se omitiu , deixou acontecer sumiu com as imagens e o parceiro STF deu segmento na historinha da carochinha. Prendeu inocentes, um julgamento digno de uma ditadura, perseguições em fim, o que todos sabem.

  13. Jose Nélson Freitas
    Jose Nélson Freitas

    O 8 de janeiro

    O Brasil realmente é uma piada ou um picadeiro
    Trata-se do primeiro país do mundo onde um golpe de estado é perpetrado por idosos, moradores de rua, pessoas comuns e sem nenhum aparato bélico militar e sem nenhum comandante em chefe. Ou seja, uma aberracao parida de cérebros com problema de anencefalia

  14. Jose Nélson Freitas
    Jose Nélson Freitas

    O 8 de janeiro

    O Brasil realmente é uma piada ou um picadeiro
    Trata-se do primeiro país do mundo onde um golpe de estado é perpetrado por idosos, moradores de rua, pessoas comuns e sem nenhum aparato bélico militar e sem nenhum comandante em chefe. Ou seja, uma aberracao parida de cérebros com problema de anencefalia

  15. Robinson dos Santos Pereira
    Robinson dos Santos Pereira

    Não tinha mandante, não tinha dinheiro. Não tinha nem intenção. Quem esteve naquele acampamento sabe muito bem o que diziam o tempo todo: ninguém vai pra esplanada. Todo mundo dizia isso. O pessoal tinha medo de uma armadilha, de serem envolvidos em algum tipo de confusão que pudesse atrapalhar o movimento. O que criticavam? O óbvio: que Lula havia sido retirado da cadeia em uma maracutaia para ganhar eleições aparentemente fraudulentas. Mas acontece que desde 2018 se tornou crime questionar a tal capacidade das urnas eletrônicas serem auditadas. Barroso mentiu na Europa que a direita queria acabar com a votação eletrônica e somente Lupi podia duvidar das urnas. Logo o líder do PDT que tornou Bolsonaro inelegível por ter falado a embaixadores o mesmo que Lupi falou para o mundo todo pela internet. Então teve um quebra quebra, mas não teve golpe. Não tinha como haver golpe. A PF não conseguiria explicar como funcionaria esse golpe nem se fizesse mais 900 páginas de relatório. Precisaria contratar um bom roteirista. Talvez o Sidônio possa ajudar. Mas eu duvido

  16. Guilhermina Gomes De Menezes Montenegro
    Guilhermina Gomes De Menezes Montenegro

    Não abre todo o.artigo do Silvio Navarro, somente o dele

  17. Guilhermina Gomes De Menezes Montenegro
    Guilhermina Gomes De Menezes Montenegro

    Não abre todo o.artigo do Silvio Navarro, somente o dele

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