Em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso lançou o Proer, um programa para salvar bancos brasileiros à beira da falência. Bilhões de reais dos pagadores de impostos foram despejados para resgatar instituições de crédito quebradas. Trinta anos depois, mais um banco privado é resgatado com dinheiro público: o Banco Master.
No dia 28 de março, o Banco de Brasília (BRB), estatal do Distrito Federal, anunciou a compra do Master por R$ 2 bilhões. Pela primeira vez em 40 anos um banco público adquiriu um particular. No Brasil sempre ocorreu o oposto, com instituições financeiras privadas que absorviam entidades públicas privatizadas. O mercado levantou mais do que uma sobrancelha.
Crescimento garantido
O Banco Master sempre deixou muita gente perplexa. Especialmente pelo seu crescimento meteórico, pelos gastos faraônicos com suas sedes, pela ostentação de seu diretor-presidente, Daniel Vorcaro, pelos investimentos com retornos duvidosos e pela inexplicável generosidade nos juros oferecidos em seus papéis. Mas, principalmente, por se tornar um problema para o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), instituição que avaliza a estabilidade do sistema bancário nacional.
Caso um banco quebre, o FGC cobre depósitos de até de R$ 250 mil por conta ou R$ 1 milhão por F. Seu orçamento total é de pouco mais de R$ 100 bilhões.
Após meros cinco anos de atividade, as operações do Master chegaram a representar quase metade do FGC inteiro. Ou seja, em caso de problemas com o banco, boa parte do fundo deverá ser utilizada para honrar os depósitos. Isso provocou uma forte tensão no setor financeiro brasileiro.
Nenhum outro banco jamais chegou a tamanha proporção do FGC. Tanto que uma das críticas mais duras contra o Master era que ele teria utilizado indiretamente o fundo para deixar suas operações mais interessantes aos olhos dos clientes.
Com essa garantia, muita gente começou a comprar Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) do Master, emprestando dinheiro ao banco em troca de uma rentabilidade que nenhuma outra instituição financeira oferecia. Por que comprar CDB do Bradesco ou do Itaú, que rendem, em média, de 95% a 100% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) — taxa de juros muito próxima da Selic, a taxa oficial de juros fixada pelo Banco Central (BC) —, se é possível adquirir um do Master que oferece uma rentabilidade de até 130%? E é risco zero, pois tem cobertura do FGC?
Havia fila nas corretoras para comprar CDBs do Master. Distribuídos maciçamente para clientes famintos de gordas rentabilidades.
Dessa forma o banco captou cerca de R$ 50 bilhões em poucos anos, mesmo com um patrimônio líquido de menos de R$ 5 bilhões. Ou seja, o Master está alavancado até o limite permitido por lei. Se tivesse qualquer problema, enfrentaria sérias dificuldades em honrar seus compromissos.
Pegou mal. Em Brasília, alguém decidiu dar um basta. No final de 2023, o Conselho Monetário Nacional (CMN) limitou a garantia do FGC a seis vezes o patrimônio de um banco ou a 80% da captação total.
Mas, uma vez captados bilhões de reais de pequenos e médios poupadores, o problema maior ou a ser o que fazer com esse dinheiro todo.

Como honrar as dívidas?
O ruim de prometer juros astronômicos é que um dia será preciso reembolsá-los. Para fazer isso, é necessário achar uma empresa que aceite tomar um empréstimo a juros ainda maiores. Quando os juros estavam em 2% ao ano, isso não parecia um problema. Mas nos últimos anos eles chegaram a 14,25%. Inviabilizando muitos negócios.
Como se já não fosse suficientemente difícil, o Master começou a emprestar rios de dinheiro para empresas que não garantiam rentabilidade alguma. Muitas até em recuperação judicial e investidas por meio de fundos com pouca transparência.
Muita gente no mercado começou a especular sobre a ligação entre o Master e o empresário Nelson Tanure. Alguns de seus fundos teriam obtido recursos do banco para operações em empresas de interesse de Tanure, como Light, Gafisa, Oi, entre outras. Todas em crise ou com rentabilidades muito baixas. Tanure e o Master sempre negaram.
O banco começou também a investir diretamente em ações de empresas. Algumas nem listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Aquilo que no mercado financeiro é chamado de private equity. Igualmente sem encontrar o retorno adequado aos compromissos assumidos.
Se essas empresas quebrassem ou não reembolsassem suas dívidas, o Master amargaria o prejuízo. Sem poder pagar os compradores de CDBs. Mas, se o banco ficasse insolvente, o FGC cobriria. Eis a equação que começou a despertar o interesse dos analistas.

Precatório antecipado
Outra opção foi se lançar no setor dos precatórios. São títulos de disputas judiciais contra governos. O Master começou a comprar esses papéis de pessoas físicas e empresas que estavam aguardando havia décadas receber seus recursos, e por isso aceitaram vendê-los com um desconto importante. Uma vez obtidos os títulos, seria suficiente aguardar o pagamento por parte do poder público para obter uma rentabilidade suficiente para reembolsar os CDBs. Atualmente, o banco possui cerca de R$ 9 bilhões em precatórios.
Só que esses créditos, por definição, são títulos de recebimento incerto. Eles derivam de decisões judiciais, e por isso é comum que disputas sobre condições de pagamento e outros direitos decorrentes cheguem ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou a outras Cortes superiores.
Além disso, em 2021 o governo Bolsonaro conseguiu aprovar a PEC dos Precatórios, jogando para 2027 o pagamento de boa parte dessas dívidas. Foi uma forma de criar espaço no Orçamento federal — em plena pandemia de covid-19 — para o pagamento do Auxílio Brasil.
Ou seja, os precatórios não pareciam ser a melhor escolha para um banco que deveria reembolsar seus clientes em poucos anos. As coisas caminharam para outra direção.
Surpreendentemente, em 2023 o governo Lula decidiu recorrer ao STF para rever o pagamento de precatórios. Não para postergar o desembolso, mas para antecipá-lo. Provavelmente o único caso na história da humanidade em que um governo pediu para um tribunal obrigá-lo a pagar antecipadamente uma dívida. Mesmo tendo uma PEC que evitaria esse desembolso durante todo o tempo do mandato.
Em tempo recorde, o STF aprovou a medida por nove votos a um. E ainda deu de brinde para o governo a possibilidade de tirar esse gasto da meta fiscal.
Simbiose suspeita
Poucas semanas antes dessa decisão, o banco contratou o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski como “conselheiro estratégico”. Aposentado da Corte havia poucos dias, foi ganhar um salário superior a R$ 100 mil para se juntar a nomes como Gustavo Loyola e Henrique Meirelles (ex-presidentes do Banco Central) e ao ex-técnico do BC, Geraldo Magela.
Três meses depois da decisão do STF sobre os precatórios, Lewandowski se desligou do Master e se tornou ministro da Justiça do governo Lula da Silva.
Foi substituído pelo ex-ministro Guido Mantega. Na época, Lula estava tentando garantir um salário ao velho companheiro em dificuldades financeiras, emplacando-o em alguma empresa pública ou até mesmo na Vale. As condenações da época da Lava Jato, a Lei das Estatais e o desastroso histórico de Mantega como gestor público impediam a manobra. Discretamente, o Master resolveu o problema. Em contrapartida, Mantega levou Daniel Vorcaro para um encontro com Lula no Palácio do Planalto.
Além dos laços entre seu estado-maior e o governo do PT, o Master contratou advogados com ligações com o Supremo. Quem o representa judicialmente é o escritório Barci de Moraes, onde trabalham a mulher e dois filhos de Alexandre de Moraes. A mulher do ministro, Viviane, atuou em algumas ações do banco. Os valores dos honorários são sigilosos.
O próprio Vorcaro gravou vídeos onde elogia a atuação do Judiciário no Brasil, salientando como se tornou “o fiador da democracia brasileira”.
O entrosamento do banco com entidades públicas era tamanho que, em julho de 2024, dois gerentes da Caixa Econômica Federal foram demitidos sumariamente depois de bloquearem uma operação de compra de R$ 500 milhões em papéis do Master considerada “suspeita” e “atípica”.
Em um documento sigiloso de 19 páginas, os dois técnicos classificaram o modelo de negócios do Master como “de difícil compreensão”, apontando um “alto risco de solvência”. O parecer deveria ter sido discutido no comitê de investimento da Caixa Asset, mas foi retirado da pauta. Quatro dias depois, os gerentes foram destituídos pela cúpula da Caixa.
Além disso, o banco começou a patrocinar inúmeros eventos, dentro e fora do Brasil, com a presença de boa parte dos ministros do STF. Todos com altos índices de luxo e glamour. Um exemplo: o I Fórum Jurídico Brasil de Ideias, realizado em abril de 2024 em Londres, no luxuoso hotel The Peninsula, próximo ao Palácio de Buckingham. Com diária mínima de R$ 6 mil. Estavam presentes os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Em todos os eventos organizados por grupos de lobby brasileiros, o Banco Master sempre aparecia como um dos principais patrocinadores. Assim como nos maiores veículos de comunicação do Brasil. Especialmente os econômicos. Obviamente, ninguém nunca levantou uma caneta para questionar.

O diretor-presidente da ostentação
Os investimentos em imagem do Banco Master aram pelo mercado imobiliário de luxo. Em 2023, lucrou R$ 552 milhões. No ano seguinte, achou razoável alugar um escritório em Miami por R$ 350 milhões, e gastar outros R$ 150 milhões com o escritório mais caro de Londres. No começo de 2025, inaugurou uma nova sede faraônica de 30 mil metros quadrados no coração da Vila Olímpia, um dos bairros mais caros de São Paulo.
Locações no mínimo pouco sensatas para um banco pequeno, com escassas operações internacionais e que lucrou em 2024 apenas R$ 1 bilhão. Ou melhor, diz ter lucrado, pois há dúvidas sobre como seus ativos foram contabilizados. A própria auditoria contratada pelo banco para certificar seu balanço, a KPMG, afirmou que alguns ativos poderiam ter sido superavaliados pela instituição bancária.
A personalidade do diretor-presidente do banco também foi motivo de questionamentos pelo mercado. Oriundo de uma família de classe média de Belo Horizonte, e sem nenhuma experiência prévia em bancos, Vorcaro sempre fez questão de ostentar sua riqueza. Comprou a mansão mais cara de Orlando, na Flórida, por US$ 37 milhões, equipada com quadra de basquete, pista de boliche e campo de futebol. A paixão pelo futebol o levou a adquirir uma participação no Atlético Mineiro. Investiu R$ 300 milhões para ficar com 26,9% do clube. Também comprou uma mansão de R$ 280 milhões em Trancoso (BA) e um jatinho particular de R$ 80 milhões. Para celebrar os 15 anos da filha, gastou R$ 15 milhões em uma festa com shows de artistas internacionais. Chegou a asfaltar uma estrada inteira no bairro de luxo de Nova Lima, perto da capital mineira, e comprou o hotel Fasano em São Paulo.
O que ainda não se sabe é quem pagará essa conta se o Banco Master quebrar.

Proposta dúbia, autorização incerta
A proposta de compra do BRB, mesmo que se concretize, não será suficiente. O BRB nem sequer compraria a maioria das ações do banco, ficando apenas com 49% das ações ordinárias, que dão direito a voto. Difícil compreender a lógica de uma operação como essa. Ninguém anuncia a compra de um banco para depois não mandar nele.
Há ainda poucas informações detalhadas sobre a modalidade dessa aquisição. Mas, aparentemente, apenas uma parte do Master seria absorvida: o “filé-mignon”, como crédito consignado, câmbio, mercado de capitais, serviços corporativos e banco digital. O restante das operações continuaria sob o Master. E o mercado questiona qual será o destino desse CNPJ, e dos poupadores que lhe emprestaram dinheiro.
O Banco Central tem 360 dias para decidir sobre a operação. Se aprová-la, o presidente Gabriel Galípolo poderá enfrentar duras críticas. Haja vista também a sua amizade com o economista chefe do Master, Paulo Gala, com o qual apresentou várias aulas e lives disponíveis na internet. Ambos adeptos da heterodoxia econômica.
Mas, se o BC não aprovar a compra, o risco é de que o Master quebre, crie um rombo no FGC e provoque uma séria tensão em todo o setor bancário.
Se correr o bicho pega, se parar o bicho come.
Como foi possível deixar um banco minúsculo, com ligações políticas espúrias e atuante de forma questionável se tornar uma potencial bomba no sistema financeiro nacional? Onde estavam as autoridades de controle? E quem será responsabilizado por isso? Mais importante de tudo: o FGC vai acabar pagando o pato?
Leia também “O conto do vigário”
Nenhuma surpresa. É o modus operandi da esquerda. Para os amigos, tudo.
Mais um imbróglio financeiro para ser jogado na conta dos pagadores de impostos.
Preocupante
Para comentar este volume de situações estranhas e ações aparentemente contraditórias (compra de precatórios por ex) nem precisa ser economista! Isso ai tem um cheiro de I…
Dois anos do desgoverno dos PTralhas e um festival de falcatruas.
Parabéns aos dois funcionários da Caixa que foram demitidos por se recusar a participar desta farsa.
E tinha que ter envolvimento das figuras supremas e seus comparsas, não é? Lewandovski, Moraes. E seguindo Guido Mantega, esposa e filhos de Moraes… Haja maracutaia!
Parabéns Cauti pelo ótimo artigo.
E os únicos que apontaram problemas ou mesmo dúvidas, sobre as operações do banco, desempenhando a função para o qual foram contratados, ou seja, análise de riscos, foram demitidos!
Esse é o Brasil. Sempre misturando o público com o privado! As elites políticas e econômicas se aproveitando do Estado para tirar vantagens! E o povo que se lasque!
Aonde já se um governo correto com essas atuações? É o poder com o dinheiro da população enricando ladrões ladrões e vagabundos tudo numa corja só
Brasil, mostra sua cara!!!!
Que coisa vergonhosa!!
Além de Viviane, o BRB poderia contratar Guiomar MENDES e Roberta TÓFFOLI, todas com notório saber jurídico!
Imoral, anti-ético e com cheiro de maracutaia!
Essas histórias em governos brasileiros são conhecidas, repetidas e consagradas!! Nunca nunquinha se pega o fraudador porque são VÁRIOS, costumeiros e com cofres e vantagens milionárias!! O povo, povinho e povão chia, reclama, denuncia e, surpresa!! PAGA O PREJUÍZO E AGUARDA O PRÓXIMO!!!
Esse governo sempre consegue se superar na desonestidade, nas operações espúrias, na corrupção. É um comportamento que está enraizado nas entranhas do sistema.
Mais uma vez quem não fez o L nem votou no filho de Belzebu, vai pagar a conta pelos que fizeram. Parece que não aprenderam nada com o Mensalão e o Petrolão. No fundo, com as devidas exceções, penso que todo brasileiro é corrupto e gosta de corrupto.
Tenho um processo de fraude em contrato de empréstimo consignado para desconto em folha de pagamento do servidor público contra esse banco e uma financeira carioca (uma tal de Safira, desaparecida no mercado). O processo não anda e nada indica que deva andar. Minha vida, outra tranquila, sem muitos percalços, embora simples, agora se tornou dificultoso, dadas os os descontos muito altos em meu holerite.
Essa do banco Master é corrupção da grossa,estranho como sempre alguém do governo está envolvido. Excelente artigo de Cauti, como sempre trazendo as reais notícias do mercado financeiro. Acho que o dono do banco deve pagar a conta dos clientes gananciosos, no caso de falência. Não podemos mais pagar pela corrupção, agora me diga,qual o desavisado que vai investir em CDB desses bancos estranhos? Milagres não existem em bancos comuns.