O relator do Inquérito do Fim do Mundo — assim chamado pelo ex-presidente do STF, ex-ministro Marco Aurélio — está perdendo seus auxiliares enquanto ganha críticas no Congresso americano e na Casa Branca, ao mesmo tempo que arquiva pedido de vereadora do PT para prender Bolsonaro e libera Mauro Cid para ir a São Paulo apoiar sua filha em prova hípica. Antes disso, permitiu que Débora do batom fosse para casa, ainda que presa, consolar os filhos. Parece uma onda, tão repentina quanto foi o acolhimento da denúncia contra Bolsonaro, fazendo-o réu. É num tribunal com relator eclético que vai da primeira à última das instâncias, com pequenas causas, como a do batom, ando por questões políticas, por temas que deveriam ser decididos nos plenários políticos da Câmara e do Senado, e submete dogmas constitucionais como a liberdade de expressão e a inviolabilidade do parlamentar, à sua interpretação casuística.
O ministro Luiz Fux abriu caminho para que Débora pudesse estar de volta aos filhos, meninos com menos de 10 anos, que aram 743 noites sem o beijo de boa-noite da mãe, sem o café da manhã preparado pela mãe, sem a despedida da mãe ao saírem para a escola. Com a renda da cabeleireira cortada, pois já não podia cortar e pentear cabelos, o que teria acontecido na economia daquela casa, antes sustentada por dois? Como somos humanos, ficamos curiosos. E Fux, juiz de carreira, pareceu chocado e, ao pedir vista, argumentou que há humanos sob as togas e, portanto, podem errar.

No intervalo criado por Fux, o procurador-geral, no décimo pedido de Débora, opinou por negar liberdade provisória mas, em lugar disso, conceder prisão domiciliar. E o relator Moraes, escolhido por Dias Toffoli, concordou, depois de negar nove pedidos. O caso Débora, um dos raros com individualização clara, espalhou-se no mundo, expondo o Supremo brasileiro, que abriga um caso que deveria estar na primeira instância, em pequenas causas, ível talvez de pena com cesta básica, já que o granito de Têmis nem empalideceu ante o vermelho do batom na escrita do “perdeu, mané”, pronunciado por um ministro da Suprema Corte, o mesmo da frase “nós derrotamos o bolsonarismo”, proclamada em ambiente da UNE.
Aqui em Portugal me perguntam como o Supremo chegou a esse ponto, pois tribunal político, pela Constituição, é o Congresso, quando processa impeachment de presidente. A Câmara recebe a denúncia, e o Senado julga. O Supremo não é um tribunal político. Nele são julgadas questões constitucionais e pessoas com foro privilegiado. Mas isso mudou há seis anos, quando o então presidente do STF criou um inquérito sem Ministério Público e indicou relator sem sorteio. A Corte se metamorfoseou em tribunal político sem licença da Constituição de que é zeladora. O atual presidente, ministro Barroso, defende a mudança. Barroso, como outros, é advogado. A natureza do advogado é defender uma causa, assim como a natureza de um promotor de carreira é acusar, punir. Fux, juiz de Direito de carreira, tem por natureza pesar os dois pratos da balança (a Têmis do Supremo só carrega a espada) e ser o fiel, ponderando a lei e o espírito de justiça. Teria permitido um alívio, aberto uma janela para a compaixão? O mesmo sentimento com Mauro Cid e com Jefferson? Fux e Moraes devem conhecer o truísmo Gratia et Justitia do Direito Romano.
Compaixão tardia — depois de mais de dois anos em presídio e 14 meses sem denúncia, os filhos de Débora vão levar para a vida o trauma desses dias e noites sem a mãe. Contra ela já pesam dois votos por 14 anos de prisão — basta mais um, numa Turma com menos da metade dos 11 do Supremo. Cid depôs sob ameaça de prisão e de investigação de seu pai, sua mulher e sua filha. Roberto Jefferson, visivelmente doente, pode morrer na prisão, como Cleriston. Daniel Silveira deveria ir para uma investigação e julgamento de decoro na Câmara, mas o Legislativo entregou suas prerrogativas. Isso é impossível de explicar aqui na Europa. Num tribunal político, é natural aplicar a Gratia (“compaixão”) para uma das partes, e a Justiça para a outra, pois é da natureza da política: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei”.
Débora é uma das raras pessoas processadas pelo 8 de janeiro em que se conhece e se comprova o que foi feito. Outros podem ser identificados, por imagens, entrando no Palácio ainda vazio, muito antes da multidão, que não havia chegado ainda à praça em frente. Mas a maioria é qualificada no genérico de associação criminosa armada para abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado e dano qualificado por violência e grave ameaça do patrimônio tombado. O presidente do Supremo explicou que todos precisam ser punidos para que na próxima eleição os insatisfeitos não queiram derrubar o eleito invadindo prédios públicos. Difícil explicar que o presidente de uma Suprema Corte antecipe sentença e que condenações sirvam para evitar que alguém, no futuro, discorde do resultado de uma apuração eleitoral que não conseguiu entender, porque não foi transparente nem fiscalizável, e saia a quebrar. Basta evitar com medidas de segurança, como poderia ter sido evitado. E suprimir a causa disso, deixando bem compreensível e transparente a contagem de votos. Tem eleição no ano que vem.

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Se eu fosse jornalista levantaria a possibilidade de identificar os possíveis infiltrados no 08/01
Uma apuração de votos com emissão do comprovante acoplado a urna eletrônica e um Congresso que não fosse omisso teria evitado a usurpação de direitos básicos da sociedade.
O que o sistema busca é a implementação de uma ditatura de advogados togados.
Luis Roberto Barroso age nesta sanha de antecipação porque não se trata de um juiz, mas sim de um político. E da pior espécie, pois é ilegítimo!
Caro Alexandre,
Consegues imagianarr a minha situacao, morando na Alemanha e tentantando explicar esses disparates em Alemao?
Claro como água pura. Parabéns, Alexandre.
Ninguém é cego pra saber que esse governo esse STF essa imprensa sao tudo criminoso
Um presidente da câmara deslumbrado , recalcitrante, pusilânime, com o mesmo sangue do q o antecedeu. Não havia alguém” menos pior “ para o cargo não? O q nos deixa estupefatos é q esse ETezinho bananeiro foi conduzido ao cargo por quase a integralidade dos deputados.
Artigo simples q fala tudo. É necessário q o processo eleitoral seja transparente.
Alexandre Garcia, artigo insuperável. Mestre dos mestres.
Não canso de repetir: temos a pior composição no atual STF. É vergonhosa, danosa, repugnante e desprezível. Não vejo futuro para o nosso país. Se pudesse, já teria ido embora daqui.
O temor é que as eleições de 2026 sejam tão “transparentes” como as de 2022 e levem à presidência o mesmo ladrão ou um substituto à altura. O que faz o Congresso que não se empenha em aprimorar o processo eleitoral para evitar descontentamentos e desconfianças por parte da população, sentimento que leva os mais exaltados a praticarem um “novo 8/1”?