Em seis meses acontecerá a COP30, em Belém. A história das Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) é um emaranhado de reuniões, textos, acordos e praticamente nenhum resultado concreto e significativo. São 30 anos de viagens e encontros pelo planeta, poucos entendimentos e muitos gastos. Apesar das promessas e expectativas anuais aos países em desenvolvimento, em 30 anos eles nunca receberam os recursos acordados com os principais doadores — EUA, Europa e mais alguns países ricos — para apoiar suas agendas climáticas. E, pelo jeito, não vai melhorar.
A terceira COP, ou COP3, ocorreu no Japão, em 1997. Ali, foi adotado o Protocolo de Kyoto. Ele entrou em vigor em 2005, com metas de redução de gases de efeito estufa para países desenvolvidos: -5,2% das emissões de 1990. Japão, EUA e União Europeia assumiram compromissos maiores. Os países em desenvolvimento receberiam apoio tecnológico e financeiro para redução de emissões. O Brasil ratificou-o em 2002 (Decreto Legislativo nº 144). Os EUA não ratificaram e se retiraram em 2001.
Os compromissos não foram cumpridos. Cada país negociou a sua própria meta de redução de emissões, em função de sua visão sobre a capacidade de atingi-la no período considerado. Os incentivos aos países pobres foram insignificantes. Diante do fracasso, já na COP13, se propôs rever o tema. O protocolo terminou enterrado, 18 anos depois de sua adoção. Um grande fiasco, um compêndio de viagens, muitos recursos a ONGs, surgimento do ambientalismo político e de muitos negócios de “base climática”.

A COP21 foi realizada em Paris, em 2015. Nela, chegou-se a um acordo histórico: o Acordo de Paris. Pela primeira vez mobilizaram-se quase todos os países para metas de redução das emissões de carbono. O Acordo de Paris valeria a partir de 2020 e obrigaria todas as nações — e não apenas países ricos — no combate às mudanças climáticas. Os membros da Convenção do Clima ratificaram o documento.
Sobre o financiamento das ações para o sucesso do acordo, os países desenvolvidos bancariam US$ 100 bilhões ao ano em programas de mitigação e adaptação às mudanças do clima nos países em desenvolvimento. A China, irracionalmente preservada como país em desenvolvimento, ficou fora do ônus do financiamento e se credenciou a negociar entre os beneficiários. ados dez anos, ninguém recebeu um tostão. De concreto? Nada ou quase nada, além do assédio pelo aumento de metas de descarbonização sem a contrapartida para tamanho esforço.
A COP29 aconteceu em Baku, em 2024. Foi a terceira COP seguida em um país produtor de petróleo. Praticamente sem eventos paralelos. Não houve espaço para Gretas e outras pirotecnias verdes. Quem tentasse teria sido preso, como foram os ambientalistas locais (Revista Oeste, edição 245). Ela logrou um acordo sobre a necessidade da entrada em vigor dos mercados de offset de créditos de carbono entre entes privados e governos, previstos no artigo 6 do Acordo de Paris. Suas regras de funcionamento deveriam ser negociadas antes da COP30 de Belém. Isso ainda não ocorreu.

A COP29 defendeu o petróleo e o gás, “presentes de Deus”, e deixou de aprovar metas para sua redução e substituição por energias renováveis. E, in extremis, aprovou uma meta financeira de US$ 300 bilhões anuais até 2035 para os países pobres lidarem com as mudanças climáticas, valor considerado insuficiente. As fontes de recursos seriam detalhadas antes da COP de Belém. Não serão! Pior, o principal potencial doador, os EUA, abandonaram o Acordo de Paris.
Esse abandono ocorre de modo muito diferente da primeira saída dos EUA do Acordo de Paris, no primeiro mandato de Donald Trump. Na ocasião, a retirada foi pacífica, em outro contexto internacional de agendas dos EUA. Em seguida, o governo Biden retomou a agenda climática como prioritária e levou-a a um nível de urgência planetária, em sintonia com a agenda globalista mundial, conjugada a um ambicioso programa doméstico com farta distribuição de recursos, pressões políticas de seu partido, articulações e amplos interesses. Ele abandonou os combustíveis fósseis por um ambicioso programa verde, com mobilização de recursos sem precedentes. Juntou-se à grande “concertação” globalista ambiental, envolvendo ONGs, a ONU e seus organismos multilaterais, o Fórum Econômico Mundial e as COPs. Bancos públicos e privados, grandes corporações e empresas foram levados a aderir a essa agenda, sacrificando até seu crescimento e lucratividade em benefício de aspectos ambientais.
Agora, esta segunda saída dos EUA do Acordo de Paris ocorre com muito mais determinação, com objetivos e estratégias para encerrar a agenda climática verde e suas imposições. Além de iniciar a retirada do Acordo de Paris, a Ordem Executiva “Colocando a América em Primeiro Lugar nos Acordos Ambientais Internacionais” limita as contribuições financeiras dos Estados Unidos a outros países para combater as mudanças climáticas. Muitas certezas foram abaladas, incluindo apostas e perspectivas de “negócios climáticos” na vitória da candidata democrata Kamala Harris.
A investigação da nova istração evidenciou favorecimentos e grandes desvios em ações e programas da agenda verde do governo Biden. Identificaram-se até rees da ordem de US$ 350 bilhões, entre a eleição e a posse, para ONGs, USAID, Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), organismos multilaterais etc., com objetivos político-ideológicos. Há denúncias de corrupção, favorecimento a empresas e ONGs ligadas a expoentes do Partido Democrata, inclusive de um ex-presidente. Vem mais novidade por aí. Affaire à suivre.

Antes mesmo da eleição norte-americana, já havia um exaurimento da agenda climática, políticas woke e ESG por bancos, multinacionais e governos recém-eleitos. Esse recuo tem sido intenso e crescente, após a eleição de Donald Trump. Nesse novo cenário de abandono da governança climática, até o globalista Bill Gates desembarcou de seus compromissos climáticos: a sua Breakthrough Energy demitiu dezenas de funcionários nos EUA e todo o seu time na Europa. O EUA retomaram a indústria de combustíveis fósseis (“Reshaping US Energy With Focus on Oil and Gas”). Sem recursos dos EUA para o Acordo de Paris, sobraria à União Europeia o ônus de assumir os compromissos financeiros de Baku, da COP29.
A Europa não aguenta financiar o Acordo de Paris sozinha. Japão, Canadá, Austrália e Nova Zelândia são contribuintes insignificantes para as metas de Baku. Não será possível aumentar impostos pelos próximos dez anos, diante dos graves problemas da União Europeia. O desar de seu mercado de carbono, considerado “escândalo ecológico”, a crise energética com a Rússia e a reativação do carvão mineral comprometeram metas ambientais. O enfrentamento com os agricultores é grande. Em Bruxelas, os recuos na política Farm to Fork são constantes, diante dos excessos de burocracia e imposições ambientais. Até companhias aéreas pedem à Europa para recuar nas metas climáticas. Nas mais recentes eleições, os vencedores fazem oposição ao Pacto Verde e à agenda globalista. E o novo reposicionamento dos EUA na Ucrânia e na Otan impõe esforços urgentes no aumento dos gastos europeus com defesa: cerca de 900 bilhões de euros.
Belém deveria ser, enfim, a COP da concretização do ree e da ajuda financeira dos países ricos aos pobres para apoiá-los em sua transição energética e no enfrentamento das mudanças climáticas. Com a saída dos EUA, a dificuldade do Brasil de organizar a COP30 foi ampliada, e ainda não há alternativa adequada no horizonte.
A primeira carta do presidente da COP30, o embaixador André Lago, foi publicada em 10 de março. Um compêndio sobre coisas intangíveis. Ela ilustra, sans aveu, a perplexidade dos dirigentes da UNFCCC e do próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, com o vigor do questionamento do multilateralismo e do Acordo de Paris pelos EUA e a perda do principal financiador. É enorme o desafio colocado ao Itamaraty.
A carta do embaixador retoma a palavra mágica “ambitious“, para buscar metas mais ambiciosas, tão presente em documentos sobre o evento e em artigos publicados aqui e em COPs precedentes. Como se ambição fosse sinônimo de liderança, quando a maior liderança global está do lado oposto. Nessa linha heterodoxa, sem abordar a realidade e o desafio central ensejados pela saída dos EUA, a carta lança a ideia do mutirão ambiental climático, de ações conjuntas da sociedade, com a pobreza.

Quem poderia liderar esse aumento de ambição de metas nacionais? Os EUA? A União Europeia? A China? Os maiores poluidores? Não. Seriam os países pobres, cujas emissões são marginais para o aquecimento global e sem poder contar com recursos dos doadores. Uma espécie de inversão total da proposta inicial de Kyoto, os mais pobres se sacrificando pelos mais ricos. Business as usual? “Como anfitrião da COP30, o Brasil precisa apresentar uma NDC [contribuição nacionalmente determinada] ambiciosa!” Qual foi a ambição da nova NDC da União Europeia e da China? A dos EUA virou pó. Só aí estão cerca de 60% das emissões planetárias. E seguirão aumentando.
“A COP30 é uma oportunidade histórica para o Brasil mostrar liderança climática com restauração florestal, biocombustíveis, energias renováveis, agropecuária de baixo carbono etc.” Mostrar a quem? Esses dados positivos não se conectam com a dimensão mundial dos problemas de financiamento da COP30. São um devaneio diante da situação fiscal do país e da falta de recursos internacionais até para os africanos e povos da Oceania. Aliás, eles já praticam agricultura de baixíssimo carbono e baixíssima produtividade.
O risco do tema climático deixar de ser prioridade mundial é real. Nem com mutirão os países pobres aceitarão dividir os parcos recursos com outras entidades. A esperança de boa parte dos estados e empresas dos EUA “seguirem no Acordo” é uma bobagem da carochinha. Os negociadores são os países. A realidade escancarada da COP30 é a crise de sua ausência de financiamento. Volta-se a 30 anos atrás.
Como no setor público, boa parte do privado, inclusive do agro, prepara estrutionideamente sua participação na COP30. Ignora as consequências da retirada dos EUA do Acordo de Paris e os desafios europeus com sua própria sobrevivência. Eles falarão para si mesmos, enquanto cresce o distanciamento da agenda climática por parte de países, empresas, bancos, instituições etc. Na úmida Belém, a desidratada COP do financiamento da transição será, talvez e apenas, uma COP da Amazônia, ou da floresta, ou de seus povos originários ou imaginários, com pitadas coloridas de alegorias locais para tentar ofuscar a realidade. Dá até para conseguir um troco para a floresta. Esquece o planeta, a China e as ilhas do Pacífico. Evoé!
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Mais uma maneira de luxar com nosso dinheiro, assim como ocorreu na delegação brasileira que foi ao Azerbaijão. Uma das maiores delegações, tudo as custas dos outros.
Essa cultura woke já era.
Prof. Evaristo de Miranda, o senhor poderia esclarecer o significado da palavra estrutionideamente. Procurei no Google e não apareceu a citada palavra em nenhuma busca feita.
A palavra vem de estrutionídeos, a família dos avestruzes. Evoca a atitude de “enterrar a cabeça na areia”, a negação da realidade. Mesmo se na natureza, como se sabe hoje, os avestruzes não fazem isso. Grande parte das lideranças do Agro Brasileiro segue promovendo reuniões, encontros e elaborando documentos, ignorando completamente as consequências da retirada dos EUA do Acordo de Paris.
Também gostaria de saber
Não entendi afrase: ” Como no setor público, boa parte do privado, inclusive do agro, prepara estrutionideamente sua participação na COP30
A palavra vem de estrutionídeos, a família dos avestruzes. Evoca a atitude de “enterrar a cabeça na areia”, negando a realidade. Boa parte das lideranças do agro segue preparando documentos e declarações e eventos para a COP 30 ignorando completamente o fato re as consequências da saída dos EUA do Acordo de Paris. Hoje sabe-se que, na realidade, as avestruzes não fazem isso, não enterrsam a cabeça no chão diante do perigo, mas a expressão ficou.
Essa copp é uma piada, não existe mudanças climáticas nem efeito estufa. Isso tudo é pra os subdesenvolvidos não crescerem e depender dos países avançados. O que o homem tem que fazer é despoluir seus respectivos países e Isso só se faz com o o avanço tecnológico. Não existe Apocalipse, essa função é do planeta e do cosmo e não tem a ver com o homem
Excelente e esclarecedor artigo do professor Evaristo sobre a COP 30 e as COPs. É o primeiro que leio assim na mídia. Esse evento será uma enorme ocasião de corrupção local, regional e nacional, como costumam ser. Já se vêm na mídia acusações sobre desvios na organização etc. E sem os dólares dos EUA só lhes restarão narrativas e pirotecnias florestais de povos imaginários.
Isso deveria acabar aqui
É so bla bla bla e palco para um teatro de mentiras e safadezas com os mais pobres.
Se cada um cuidasse bem do seu quintal nao precisaria de COP nenhuma
COP30, Brasil na liderança ambiental. Que fiasco! Que vergonha! O desmatamento e queima de áreas crescendo mais de 400% em um ano; tribos abandonadas na assistência médica e morticínio crescente de crianças; 80% dos brasileiros sem água encanada ou esgoto sanitário. Enquanto isso a ministra Marina e seu pajé Lula se posicionam para as fotos dos sabujos.
Ou seja, a COP e os acordos, sempre foram uma palhaçada e uma forma de ganhar dinheiro.
Muito bom artigo! Só não gostei dos estrangeirismos na língua portuguesa. a elitismo e desconsideração aos leitores
Sem doadores o Acordo de Paris tem seus dias contados. A COP 30 até parece um puxadinho do Fórum Econômico de Davos, mas seu mentor globalista acaba de renunciar. Ouço esperanças em 20 estados dos EUA; @POTUS sabe disso? Vão contribuir ou ficar na fila com o pires na mão? Também foi mencionado um “seed money” de US$25 bi de fundos de aposentadoria de ricos que teriam rendimentos limitados a 3%. O excedente iria para um fundo climático. Já fizeram as contas de quantos milhões de dólares? Os companheiros abriram sorrisos amarelos… Talvez tenha chegado o momento fazer eventos menores a cada 2 anos.
Acredito que este seja TOP10 dos textos do Dr. Evaristo para a Oeste. Descortinou todo teatro da COP. Sensacional.
“Essa COP é para o Brasil uma oportunidade para mostrar liderança climática”. Essa afirmação é uma piada de mau gosto. Com um governo corrupto, onde a maior parte dos projetos são elaborados pensando onde podem desviar recursos, isso soa como um deboche, onde as queimadas estão batendo recordes, o desmatamento bate um recorde após o outro, falar em ser líder é no mínimo, um despropósito.