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Edição 264

Excesso, exagero e erro: quando instituições tomam partido

Às instituições de um Estado de Direito cabe cumprir sua estrita missão, como ela foi definida na lei

Roberto Motta
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O modelo de uma república democrática pressupõe a existência de instituições estáveis e impermeáveis a influências ideológicas. É sobre esse fundamento que é construído o Estado de Direito.

Estado de Direito significa, essencialmente, que o Estado é regido por leis que direcionam e restringem sua atuação. Nenhum indivíduo será obrigado a fazer ou a deixar de fazer qualquer coisa a não ser em função de uma lei regularmente aprovada. Em uma república democrática, as leis são feitas pelo Poder Legislativo, e a sua aplicação é julgada pelo Poder Judiciário, da forma mais fiel possível à intenção original dos legisladores. Entra em cena a ideologia.

As ideologias que competem pelos corações e mentes dos cidadãos do século 21 continuam sendo variações dos pensamentos de esquerda e de direita, cada um com sua visão particular do mundo, seus conceitos e seus valores. Não existe simetria entre esquerda e direita. Uma análise racional das ideologias, somada a um estudo rápido da história desde a Revolução sa, demonstra claramente que o pensamento classificado como “de esquerda” representa uma coleção incoerente e desconexa de equívocos econômicos, morais e políticos. No século 21 a esquerda representa totalitarismo, censura e o controle de todas as atividades sociais, econômicas e intelectuais pelo Estado. A direita, representada pelo pensamento liberal, conservador ou libertário, defende hoje o oposto disso: um Estado que sirva ao cidadão cumprindo o papel essencial de garantidor dos direitos individuais.

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Acontece que o Estado é comandado por um governo eleito que, nas democracias verdadeiras, é sempre temporário (parafraseando o escritor americano Mark Twain: governos e fraldas devem ser trocados com frequência, e pelo mesmo motivo — se permanecerem os mesmos por muito tempo acabam se sujando). E governos são formados por partidos políticos sempre influenciados por ideologias. No Brasil, o partido — ou coligação — que elege o presidente da República forma o governo. É evidente que as ações do partido do governo — aquele que comanda a máquina do Estado — estarão sempre subordinadas a um programa ideológico de esquerda ou de direita. Essa é a regra do jogo democrático moderno. Mas a máquina estatal é composta de instituições que devem — ou deveriam — cumprir suas missões independentemente do viés ideológico do governo temporário que as comanda.

Esse é, evidentemente, um grande desafio. Primeiro, devido ao fenômeno inapropriadamente chamado de “polarização”. O que se observa hoje em todo o mundo é, na verdade, um acirramento de posições políticas nascido de uma reação da sociedade à hegemonia conquistada pelo pensamento de esquerda em inúmeras áreas, principalmente no ensino, na mídia, na cultura e, cada vez mais, nos sistemas de Justiça. Esse acirramento do embate ideológico é reforçado pela internet e pelas redes sociais. A regra é que todos precisam ter um posicionamento político e expressá-lo de forma explícita. Essa ânsia por declarar publicamente uma preferência ideológica — e agir segundo essa preferência — tem contaminado servidores em posições relevantes da máquina do Estado cuja autoridade depende justamente de equilíbrio e neutralidade política.

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O problema maior — e bastante evidente nos tempos atuais — é que os ocupantes de altos escalões da máquina do Estado, em todos os Poderes da República, são nomeados por políticos que são, por sua vez, movidos por preferências ideológicas. É inevitável que as nomeações reflitam as preferências ideológicas de quem as faz. Mas ser nomeado por um político não é uma sentença de conformismo ideológico ou moral; há sempre uma escolha a ser feita. Os responsáveis pelas instituições do Estado precisam escolher entre a sedução do jogo político ou o cumprimento da missão — muitas vezes vital para a nação — que lhes foi confiada, como combate ao crime, provimento da justiça ou defesa da nação. Dos homens e mulheres encarregados dessas missões espera-se mais do que simples neutralidade política; espera-se a compreensão da sua imensa responsabilidade como guardiões de um sistema político cujo objetivo é oferecer aos cidadãos garantias básicas de segurança, liberdade e estabilidade. As instituições do Estado são guardiãs de direitos, nunca tutoras da sociedade.

Indivíduos podem ter preferências políticas; instituições, não. Políticos podem abraçar um programa ideológico, mas nunca os representantes de instituições. Não cabe a nenhuma instituição agir como tutora do jogo político ou eleitoral, nem mesmo quando esse jogo parece excessivamente agressivo ou desordenado. Às instituições de um Estado de Direito cabe cumprir sua estrita missão, como ela foi definida na lei.

Tudo o mais é excesso, exagero e erro.

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Leia também “A ilusão do isentão”

6 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Motta, artigo esclarecedor para aqueles que ainda não entenderam qual é o papel do Estado e suas instituição perante a sociedade.
    O Brasil é um caso a parte que neste ano completa 136 anos de república, com “r” minúsculo mesmo, ando por inúmeros tropeços, ditaduras, renúncias de governantes eleitos, governos perdulários, etc.
    A República Federativa do Brasil já começa errada em sua denominação, pois os Estados membros não possuem autonomia e outros poderes, no caso brasileiro o judiciário, legisla até sobre o poder de polícia que pela Lei a autoridade cabe ao governador de cada Estado.
    Não vejo caminhos lúcidos para o país sem antes pensarmos em uma reforma istrativa e política que contemple novas perspectivas.
    Com o sistema que temos em vigência vamos cada vez mais em direção ao abismo, independente quem seja o governante.

  2. Célio Corrêa de Almeida Filho
    Célio Corrêa de Almeida Filho

    Infelizmente hoje o que vemos, é um bando de paus mandados ocupando cargos de exclusivo interesse público; cujo função que exercem é obter altos salários e atenderem os perversos desejos de seus chefões.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Juiz eleitoral que participa de evento política e declara que derrotou um candidato. Juiz a julgar o adversário político de seu ex-cliente quando advogado. Juiz que confraterniza com quem irá julgar… Este é o Brasil de Brasília atual!

  4. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Mota foi categórico em teorizar e descascar a política, isso deixa o leitor feliz

    1. Claudia Aguiar de Siqueira
      Claudia Aguiar de Siqueira

      Perfeito, Motta. No estado da arte, estamos submersos em excessos, exageros e erros. É quase irrespirável.

  5. Wagner Darlan Antas de Almeida
    Wagner Darlan Antas de Almeida

    Essa matéria foi muito bem construída. E nos mostra o quadro caótico que estamos vivendo.

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