Há mais ou menos 2,6 milhões de anos, surgiu (por meio da evolução natural) um animal conhecido como Aenocyon dirus. Era uma espécie de superlobo. Sobre as quatro patas, chegava a quase 1 metro de altura. De pé, sobre as patas traseiras, tinha a altura de um humano — 1,78 metro — e chegava a 68 quilos.
Esses caninos, segundo a Enciclopédia Britânica, eram encontrados especialmente na América do Norte e em partes da costa oeste da América do Sul. Ficaram conhecidos como “dire wolves” — algo como “lobos terríveis”, “medonhos”, ou “assustadores”.
E então, por volta de 9000 a.C., os dire wolves desapareceram. Essa extinção ocorreu por um conjunto de razões. Com o fim da Era Glacial, o gelo recuou, o nível do mar subiu. A mudança no clima acabou com os superlobos.
Por 11 mil anos, os “lobos terríveis” sumiram da natureza e da memória humana. Até que no dia 17 de abril de 2011 uma nova série chamada Game of Thrones foi ao ar pela HBO. Numa das cenas do primeiro capítulo, o rei Robert Stark leva os filhos por uma floresta e eles topam com uma loba enorme, morta ao lado dos filhotes.
Foi aí que o mundo aprendeu que havia existido um animal chamado dire wolf. Cada um dos filhotes (Grey Wind, Lady, Nyneria, Summer, Shaggydog e Ghost) foi adotado por cada um dos filhos, como um símbolo de amadurecimento e também como uma futura proteção na dura vida de Game of Thrones. Obviamente não eram lobinhos de verdade, mas criação de computação gráfica, assim como os dragões de Daenerys.
Romulus, Remus e Khaleesi
Novo salto no tempo. Em 2024, cientistas da empresa Colossal Biosciences (valor: US$ 10 bilhões) recolheram amostras de DNA de fósseis de dire wolves e as fundiram com amostras de genes de lobos cinzentos, criando embriões que misturavam as duas espécies. Esses embriões foram implantados em cadelas, que fizeram o papel de barrigas de aluguel.
Em 1º de outubro de 2024, nasceram dois lobinhos machos: Romulus e Remus. Em 30 de janeiro deste ano, nasceu uma fêmea, batizada de Khaleesi, óbvia homenagem a Game of Thrones. Os lobinhos estão sendo criados numa propriedade secreta da Colossal Biosciences no norte dos Estados Unidos. Logo eles receberam a visita do escritor George R. R. Martin, o criador da série. Que chorou de emoção por tudo o que aqueles filhotes representavam. Tinha início, pela primeira vez na história, o que foi chamado de “desextinção”.
Antes mesmo que as lágrimas de Martin secassem, membros de elites acadêmicas se dedicaram a praticar sua atividade favorita — polemizar, criticar, reclamar, provocar medo e mostrar que todos estavam errados. Menos eles, protegidos pelos seus diplomas de grife.
A turma do chororô
Esses críticos exigem que o dire wolf seja uma “raça pura” — ou, segundo eles, todo o projeto não fará sentido. Essa elite acadêmica enxerga problemas terríveis até em mosquitos. “Há ameaças potenciais à saúde humana”, denuncia Daniel Sulmasy, diretor do Instituto Kennedy de Ética. “E se esses novos lobos se tornarem hospedeiros de um vírus, bactéria ou parasita que infecte diretamente os humanos que interagem com eles? Ou se ficarem presos em uma teia de interações entre a espécie hospedeira e um portador, como um mosquito ou carrapato, que infecte diretamente os humanos? Não sabemos as consequências da interação humana com eles.”
A pergunta: onde estavam esses campeões da ética quando cientistas chineses infectaram propositadamente (com financiamento americano) animais na Universidade de Wuhan em sinistros experimentos que, em vez de lobinhos, presentearam a humanidade com a covid-19? (As páginas ligando o professor Sulmasy à covid-19 foram tiradas do ar pelo Instituto Kennedy).
A jornalista Martha Gill também critica o projeto em artigo para o jornal britânico The Guardian. E aproveita para alfinetar o atual supervilão das esquerdas, Elon Musk: “A parábola da missão a Marte: preferimos gastar trilhões nos enviando para um planeta ainda inabitável a cuidar do que temos. E, logo em seguida, a parábola do lobo terrível. Preferimos ressuscitar uma espécie de 12,5 mil anos a salvar nossos animais selvagens existentes”.
Segundo Gill, não podemos ter duas opções simultâneas: preservar espécimes atuais e ressuscitar espécimes extintos. Para ela, só existe um caminho possível a ser seguido: o que revela sua concepção ideológica de mundo. Ela reclama que a primeira geração ressuscitada de dire wolves “não têm matilha para se juntar e nem pais para ensiná-los a sobreviver e prosperar”.
Outras desextinções
Beth Shapiro, cientista-chefe da Colossal Biosciences (com sede em Dallas, no Texas), deixou claro que o objetivo da empresa não foi criar um animal geneticamente idêntico ao dire wolf. “Trouxemos esses genes extintos de volta à vida em um animal vivo”, disse Shapiro. “Estou feliz em chamar isso de dire wolf“. São, por enquanto, como lembrou o cientista Adam Hartstone-Rose, “os únicos membros de sua espécie a existirem na face da Terra”.
A Colossal está trabalhando em outros projetos de “desextinção”. Um dos mais urgentes é a sobrevivência dos lobos vermelhos. Hoje, restam apenas 20 na América do Norte, descendentes de apenas 12 espécimes originais.
A empresa clonou quatro desses lobos vermelhos e vai soltá-los um dia na natureza para que fortaleçam a diversidade genética da espécie. Nesse caso, segundo o site Science News, não estão ressuscitando uma espécie extinta, mas fortalecendo uma que está à beira da extinção.
Mamutes, dodôs e o tigre-da-tasmânia
A Colossal Biosciences já tem uma agenda de espécies a serem “desextintas”. Uma delas são os mamutes, os elefantes peludos desaparecidos definitivamente há 4,3 mil anos. Nesse caso, o trabalho é facilitado pela grande quantidade de corpos de mamutes encontrados nas geleiras da Sibéria.
Os genes dos mamutes preservados serão inoculados em uma elefanta. Como no caso dos dire wolves, esses mamutes renascidos seriam aperfeiçoados a cada geração até se tornarem mais “puros” e adaptados às condições climáticas atuais. Além disso, a pesquisa ajudaria a fortalecer a sobrevivência dos elefantes modernos, também ameaçados de extinção.
A volta do dodô é outro dos projetos da empresa. O dodô era um pássaro nativo da Ilha Maurício, no Oceano Índico. Segundo a Enciclopédia Britânica, pesava cerca de 23 quilos e era maior que um peru.
Por volta de 1507, conquistadores portugueses chegaram à ilha e começaram a comer os pássaros — que não tinham medo dos humanos nem conseguiam voar. Em 1681, o último dodô foi morto. Sua aparência curiosa e simpática foi imortalizada pelo escritor Lewis Carroll no clássico Alice no País das Maravilhas.
Existe ainda um quarto projeto de desextinção, do tigre-da-tasmânia. Que não era um tigre, mas um marsupial, como o canguru. O nome foi dado por causa das listras na parte traseira de seu corpo.
Seu nome verdadeiro era thylacine. Ele vivia em toda a Austrália, mas gradativamente foi isolado apenas na Ilha da Tasmânia. Uma de suas características era a grande boca, que podia se abrir quase 90 graus.
O tigre-da-tasmânia foi perseguido até a extinção por caçadores, porque supostamente o marsupial ameaçava os rebanhos de ovelhas da ilha. O último exemplar conhecido morreu num zoo particular da cidade de Hobart, no ano de 1936. É o único desses animais extintos que teve a imagem preservada em filme.
Os vilões de sempre
Toda essa história de desextinção tem uma referência óbvia na ficção: o livro (de Michael Crichton) e o filme (de Steven Spielberg) Parque dos Dinossauros, de 1993.
O herói do filme acabou sendo o cético cientista Ian Malcolm, vivido por Jeff Goldblum. Quando o empresário John Hammond (Richard Attenborough) apresenta seu parque a Malcolm, a reação é quase histérica:
“John, o tipo de controle que você está tentando simplesmente não é possível. Se há uma coisa que a história da evolução nos ensinou é que a vida não pode ser contida. A vida se liberta, expande-se para novos territórios e rompe barreiras, dolorosamente, talvez até perigosamente. Você não vê o perigo, John, inerente ao que está fazendo aqui? O poder genético é a força mais impressionante que o planeta já viu, mas você o exerce como uma criança que encontrou a arma do pai.”
Jurassic Park — um excelente filme — vai ser usado como o argumento definitivo para os que querem interromper a experiência da Colossal Biosciences. Assim como O Exterminador do Futuro 2 é a referência para quem quer brecar a evolução dos robôs e da inteligência artificial.
Nos dois casos, os vilões não são os robôs de olhos vermelhos nem os dinossauros. Mas as grandes empresas que, movidas pela ganância, criaram monstros que podem acabar com o mundo. O mesmo acontece na série Alien e em tantas outras produções de sucesso. Os bandidos sem coração são essas pessoas que vestem ternos e cometem o crime de querer obter lucro.
Alheios à polêmica, Romulus, Remus e Khaleesi voltam a uivar depois de 11 milênios de silêncio.
dagomirmarquezi.com
@dagomirmarquezi
Leia também “Já encomendou seu robô?”
Ótimo artigo, Dagomir.
Excelente artigo Dagomir Marquezi, soube das notícias por você. Obrigada por compartilhar conhecimento.