Pular para o conteúdo
publicidade
O presidente Lula participa do evento "Brasil Dando a Volta por Cima", que apresenta os resultados dos dois primeiros anos do governo | Foto: Ton Molina/Estadão Conteúdo
Edição 265

A hora é agora

Por que o país não reage na proporção que deveria diante do tamanho do absurdo institucional?

Adalberto Piotto
-

O Brasil a hoje pelo maior desmonte institucional desde o Mensalão, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e econômico, durante a continuidade do lulopetismo com Dilma Rousseff. Mas o tranco de agora está ainda mais pesado. Fiador de desvios constitucionais, o país sofrerá danos ainda imprevisíveis em sua extensão.

Três exemplos para explicitar a realidade nefasta que Lula, em seu terceiro mandato caótico, de ideias ruins e omissão institucional, impõe ao país: a gastança descontrolada e irresponsável de um governo inepto; a perda de relevância diplomática para lidar com a guerra de tarifas e os desafios internacionais; e a perda da separação e independência dos três Poderes, um preceito constitucional pétreo que, por omissão ou submissão ao Supremo, desestabiliza a lógica institucional da República. Este último fator é exatamente o bloqueio para que a política se depure, como só a política é capaz de fazer.

Discorro sobre cada um deles.

Reabilitado pela estapafúrdia tese do CEP, que o tirou da prisão depois de condenações em três instâncias por corrupção provada e contada em bilhões de reais do Petrolão, Lula volta ao poder sem apresentar um plano mínimo para o Brasil do século 21, que ele, parado em movimentos sindicais retrógrados, desconhece. Sob um discurso que cheira a naftalina, o país tem hoje um presidente cujo governo escondeu por dias o resultado do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). O motivo: o resultado era ruim para o governo. A avaliação nacional mostrou que menos crianças estão sendo alfabetizadas no governo Lula. Depois do “Arrozão”, um escândalo com todos os trejeitos de desvio de dinheiro público, contido a tempo, o governo joga na cara outros casos com a gênese da malversação: o tal Pé-de-Meia, com mais benefícios pagos que estudantes; Itaipu, sem controle do TCU, para financiar a COP30 etc.

Na economia, a conta não fecha. E não é difícil saber os motivos. Parte imensa do crescimento do PIB, sob Lula, é por gasto público de uma máquina cara e inchada, com concessão crescente das bolsas infinitas sem porta de saída. Fato é que a paciência nacional com a indústria das bolsas acabou, sem que isso afetasse a inerente sensibilidade dos brasileiros em assistir quem realmente precisa. É o mau uso, o uso político e as fraudes que ofendem quem trabalha duro para pagar a conta de um governo encastelado em seus palácios de privilégio e ostentação ao estilo Janja, a primeira-dama mais deslumbrada de que se tem registro. Como um efeito colateral danoso, os benefícios viciantes baixam artificialmente a taxa de desemprego e, mais recentemente, começaram a causar uma estranha falta de mão de obra.

Foto: Anton Watman/Shutterstock

O gasto populista piora o quadro fiscal de um país que saíra superavitário do drama global da pandemia. Ainda na gestão Bolsonaro, o Brasil surpreendeu o mundo ao sair rapidamente da crise e elevar o país a um patamar de controle fiscal e atração de investimento produtivo. Nos dois primeiros anos da volta do PT ao poder, o Brasil foi novamente empurrado a outro voo de galinha. Endividado novamente, Lula 3 já coleciona dois déficits consecutivos e se encaminha para um terceiro, agora em 2025. Como desgraça pouca é bobagem, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), apresentada nesta última semana para 2026, é uma peça de ficção do governo ao superestimar receitas com fontes incertas. Mas já sem ter como esconder o rombo e a má gestão, a previsão de colapso das contas públicas está ali para todo mundo ver. A LDO é a proposta que define as regras do Orçamento do Executivo com a meta de estabelecer o equilíbrio entre receitas e despesas que o governo federal tem de perseguir. Como o Brasil de Lula tem crescimento do PIB, mas não aumenta a produtividade, não fica mais eficiente. E, mesmo com eventuais episódios de crescimento da arrecadação, dobra a aposta do gasto. A projeção dos próprios técnicos da área econômica já estima que pode faltar dinheiro para pagar as contas da máquina istrativa em 2027. Tirando as despesas obrigatórias crescentes — aqueles gastos garantidos por lei que engessam o orçamento e crescem anualmente —, faltaria dinheiro para o que os economistas chamam de gastos de custeio, como a conta de luz, os investimentos, as viagens de diplomatas, o combustível e manutenção das Forças Armadas ou qualquer investimento federal. Em outras palavras, a irresponsabilidade fiscal, istrativa e política do governo Lula está armando uma bomba que vai explodir nas mãos do próximo presidente, que, ao que tudo indica, não será Lula.

Diante do quadro, faço aqui, pela primeira vez, a seguinte pergunta: por que o país não reage?

Serão mais duas vezes que farei a mesma pergunta até o final deste artigo.

Vou ao segundo ponto: o mundo enfrenta hoje uma guerra comercial entre Estados Unidos e China. O Brasil é parceiro de ambos. Mas, sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo e o único com capacidade de atender a demanda crescente por comida, o que o país ganharia com isso? Muito menos do que poderia. E não por causa da guerra em si. Mas essencialmente por duas razões.

china
Silhueta de Donald Trump com a bandeira da China ao fundo | Ilustração: Shutterstock

A primeira é que nossos dramas internos são o maior entrave. Até agora, só para nos atermos a um singelo caso, o projeto do Ferrogrão, uma ferrovia de 933 quilômetros que ligaria Sinop, em Mato Grosso, ao Porto de Miritituba, no Pará, está parado por uma decisão liminar do Supremo desde 2021! É um nó que envolve desde ONGs de pretensa defesa dos indígenas, financiadas por fundações e governos europeus, até o Psol e muita gente estranha que abusa da tese ambientalista para travar o progresso nacional. A ferrovia, quando pronta, poderá escoar com enorme ganho de produtividade e redução do frete a produção de grãos do Centro-Oeste.

Com quase 220 milhões de pessoas, temos um mercado consumidor interno potencialmente imenso, mas reprimido pelo baixo poder de compra de um país novamente sequestrado por uma agenda contra a economia de mercado e devota do paternalismo estatal. Voltemos linhas acima deste artigo. O governo gasta demais e gera inflação, suga o crédito do país para se financiar e torna mais caro o financiamento de quem produz. Do lado da demanda, turbina o assistencialismo com as tais bolsas viciantes, a ponto de um beneficiado negar um trabalho registrado que lhe pagaria um salário muito maior em troca de continuar recebendo uma bolsa de R$ 600 e fazer bicos eventuais. As empresas não crescem, não conseguem produzir mais por falta de trabalhadores, e o país patina na produtividade, na geração de aumento de renda sustentável ao trabalhador e na receita de impostos ao próprio governo que, para manter o ciclo e se manter no poder, recorre ao populismo do gasto público sem controle. E ainda, inspirado no atraso ideológico, o governo jogou o país na periferia do mundo diplomático. Num planeta sob uma intensa reconfiguração geopolítica, de discussão sobre tarifas, de propriedade intelectual, inteligência artificial, o Brasil de Lula hoje convive com supermercados com grades para proteger pacotes de café, picanha e vidros de azeite.

Por que o país não reage?

O terceiro ponto é, talvez, o mais grave, porque tem sido ele o elemento estranho na vida pública do país. O ativismo do Supremo Tribunal Federal é tamanho, que a Corte se tornou hoje o governo de fato do país. Por servidão eleitoral depois da intervenção do STF para reabilitá-lo politicamente ou por conveniência de se manter no poder, Lula macula e diminui o poder institucional da Presidência da República. Nunca um presidente foi tão dependente do STF para blindá-lo politicamente e evitar crimes de responsabilidade ao retirar gastos do cálculo primário das contas do governo que poderiam subsidiar um processo de impeachment. O Supremo tomou gosto pelo poder. Sem ser contido desde o absurdo e ilegal “Inquérito das Fake News”, ministros têm acusado deputados e senadores na imensidão desconhecida de investigações sigilosas que desrespeitam o devido processo legal. A imunidade parlamentar foi pisoteada e relativizada em decisões que afrontam o dever e o direito de vigiar e emitir opiniões dos parlamentares. O Congresso dos ex-presidentes Arthur Lira e, sobretudo, Rodrigo Pacheco fez da “Casa do Povo”, o primeiro dos Poderes, um Poder menor. A mudança de opinião do presidente da Câmara, Hugo Motta, sobre a anistia aos presos do dia 8 de janeiro, depois de um jantar na casa do ministro Alexandre de Moraes, talvez seja o mais recente dos exemplos.

Diante de tudo isso, por que o país não reage na proporção que deveria diante do tamanho do absurdo institucional? O que falta para que mais pessoas se manifestem ou para que entidades de classe e de defesa da democracia saiam do estado letárgico em que se encontram? Afinal, não temos mais a plena democracia e a normalidade institucional que recebemos dos constituintes de 1988.

Porque, se é da oposição do Congresso que vêm sinais da recuperação do Legislativo, é preciso apoio popular, de entidades de classe, de quem realmente preza pela democracia. O momento de recuperar a Constituição é agora. A oposição no Congresso Nacional, tecnicamente ainda minoritária, mas que juntou a maioria absoluta da Câmara, de 264 deputados que am a urgência do Projeto de Lei da Anistia, mostrou que é possível retomar o Brasil e devolvê-lo aos brasileiros.

povo na rua - thiago vieira
Povo na rua, horas antes do início do ato pela anistia na Avenida Paulista | Foto: Thiago Vieira/Revista Oeste

Leia também “Cartas na mesa”

12 comentários
  1. MC75
    MC75

    O povo brasileiro não pode mais esperar por “salvadores”, sejam eles as FFAA, ou a oposição no congresso (este dominado pelos corruptos do centrão, que vogam conforme as verbas das emendas, e as ameaças do stfede).
    O povo tem que fazer sua própria hora: desobediência civil (funcionou na Índia, com Gandhi; nos EUA, com Luther King; etc), e ficar em casa, sem pagar impostos e sem trabalhar. A luta é árdua, mas não podemos contar com os mesmos atores que já demonstraram não serem confiáveis, só conosco mesmo.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A reação poderia vir da própria Brasília. Porém, os que orbitam as ”autoridades” que agem fora da lei, por benefício próprio, nada fazem, ao contrário, colaboram! Agentes da PF, servidores do judiciário, etc.

  3. Marcos Marcioni
    Marcos Marcioni

    Excelente análise Piotto, a volta por cima virá quando o congresso deixar de pachecar.

  4. Aeduardo
    Aeduardo

    Magnífica aula em análise do momento que vivemos!
    A você Piotto as bençãos pelo profissionalismo, lucidez e competência na abordagem econômica que sufoca toda a nação. Que a Páscoa cristã o ilumine sempre na abordagem do esclarecimento a nós brasileiros, do grave momento que atravessamos.
    Deus o abençoe, são os votos de quem bebe em sua fonte.

  5. JORGE LUIS
    JORGE LUIS

    “Por que o Brasil não reage”? Ora, ora, porque a maioria dos políticos e servidores públicos que ocupam cargos relevantes, cometem ou cometerão algum ato ilícito e, hoje tem suas vida vasculhada pelo judiciário para tê-los na coleirinha… Todos os objetivos são botar a mão na grana dos outros, pois se o chefe é assim, sigamos o chefe, né?

  6. João José Augusto Mendes
    João José Augusto Mendes

    quando os generais não tiverem mais dinheiro para comprar suas espadas de ouro, pode ser que acordem. Quanto as nossas casas legislativas, esqueçam, tem dois corruptos como presidentes, manipulados pelo stf.

  7. MNJM
    MNJM

    O povo ainda tem medo da repressão do STF, que precisa manter o governo que escolheu .Vivemos uma democracia da hipocrisia, ou seja a ditadura da toga.
    Parabéns pelo texto.

  8. Francisco De Assis Silva
    Francisco De Assis Silva

    Acho que o povo tem que mostrar firmeza e, junto as manifestações de rua exigindo uma pauta unânime entre brasileiros pagadores de impostos, prosseguir com uma greve geral, ficando em casa, até o atendimento dos pontos reivindicados.

  9. José Ângelo
    José Ângelo

    Precisamos avançar esse jornalismo Oiotti,. A causa de tudo não é o povo. É o rabo preso ou não?
    Portanto, a pauta tem que ser oaralela à da ANISTIA, já que com o “acanhamento” das FFAA, perdemos as armas e dobraram batons.
    ELEIÇÕES LEGISLATIVAS E AUDITÁVEIS salva o país.

  10. Jacira Bueno Garofallo
    Jacira Bueno Garofallo

    LLula, sentindo que o PT não continuará no poder, está arrasando o país pa
    ra que seu sucessor nâo consiga governar

  11. Cícero Ruggiero
    Cícero Ruggiero

    iro seu otimismo Piotto, mas infelizmente já somos uma ditadura, um narcoestado, semelhante a Venezuela, Nicarágua entre outras. Por que não há reação? Porque não temos apoio militar. Não existe mais ordem e respeito. Existe o medo.

    1. Emilio Sani
      Emilio Sani

      e o medo é garantido pela atuação dos ditadores no ‘incêndio do Reichstag tupiniquim’ , planejado por um hoje membro do ‘clube’ (que disse que terminaria com os acampamentos em uma semana e foram 8 dias), executado pelo ‘jogado fora como bagaço’ (e que se lamentou com antecedência ‘vamos ter problemas’, sabendo que esse era seu destino depois de executar o plano, assistido de camarote num domingo pelo planejador, e aprovado também com antecedência (tem muita gente pra prender e multar)

Anterior:
Viva a festa da Xuxa
Próximo:
1 ano de ‘Outra Coisa’
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.