Em setembro de 2023, encurralado pelas pesquisas eleitorais na Argentina, o governo do peronista Alberto Fernández decidiu apelar para o populismo mais obsceno: elevou a taxa de isenção do Imposto de Renda. Trabalhadores com ganhos mensais inferiores a 1,7 milhão de pesos (cerca de US$ 4,8 mil) foram exonerados do pagamento. Com isso, apenas 90 mil argentinos, em uma população de 45 milhões de habitantes, continuaram contribuindo com o Imposto de Renda.
O candidato governista para as eleições daquele ano era o ministro da Economia Sergio Massa, idealizador da medida. Considerada infalível para ganhar o pleito.
Resultado: devastação das contas públicas, explosão da inflação, desorganização da economia, aumento da pobreza. No final, Massa perdeu para o liberal Javier Milei.
Como sempre, quando uma ideia errada envelhece mal, ela migra para o Brasil.
No final de 2024, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um pronunciamento na televisão. “Quem ganha até R$ 5 mil por mês não pagará mais Imposto de Renda”, declarou na ocasião. A medida inclui ainda um desconto para quem ganha entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.
Foi uma bomba jogada na economia brasileira. O Ibovespa fechou em queda livre, perdendo 2,4%. O dólar disparou, beirando novamente os R$ 6.
A reação aconteceu porque, segundo dados da Receita Federal, 90% da população brasileira estará na faixa da isenção total ou parcial. Serão totalmente isentos 65% dos declarantes do Imposto de Renda, mais de 26 milhões de pessoas.

No ano ado, cerca de 45 milhões de brasileiros preencheram a declaração anual. Ou seja, se a reforma for aprovada pelo Congresso Nacional, os pagadores de Imposto de Renda no Brasil serão apenas 19 milhões. Menos de 10% da população total. Isso é insustentável em qualquer economia minimamente organizada.
Como se não bastasse, o governo Lula nem sequer sabe quanto todo esse pacote de bondades vai custar.
“A nova medida não trará impacto fiscal, ou seja, não aumentará os gastos do governo”, disse Haddad em seu pronunciamento. Mentira. Quando apresentou o projeto dei lei ao Congresso Nacional, o ministro forneceu uma previsão de rombo de R$ 32 bilhões. Poucas semanas depois, mudou de ideia, e a renúncia fiscal ou para R$ 27 bilhões. A justificativa: “A equipe econômica refez os cálculos”. Provavelmente errados, pois, segundo a maioria dos economistas e analistas, o impacto nas contas públicas será o dobro: por volta de R$ 50 bilhões.
Forte desconfiança nos cálculos do governo
O histórico não ajuda. Desde o primeiro dia de mandato o Executivo petista errou pontualmente em todas as previsões de arrecadação e gastos. Dois exemplos: o imposto sobre a exportação de petróleo criado pela Medida Provisória nº 1.163/23 tinha previsão de obter R$ 6,6 bilhões. Gerou uma arrecadação de apenas R$ 1,4 bilhão. E foi declarado ilegal pela Justiça em 2025.
Pior ainda aconteceu no caso dos julgamentos do Conselho istrativo de Recursos Fiscais (Carf). O governo mudou as regras do jogo ao recriar o chamado “voto de qualidade” para favorecer sua sanha arrecadatória. Previu um ganho de R$ 56 bilhões. Arrecadou cerca de 0,22% disso. Por que os cálculos sobre quanto a isenção custará deveriam estar corretos?
“Existe uma forte desconfiança nos cálculos apresentados pelo Ministério da Fazenda”, explicou o advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara. “O que aconteceu no ado não depõe a favor. A sociedade deveria escriturá-los.”

Novo rombo, mais impostos
Para cobrir esse desfalque, a proposta de Haddad é sempre a mesma: aumentar os impostos. “Quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco mais”, disse o ministro na ocasião. “Tudo sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados.”
Segundo o governo, será elevada a tributação de 141 mil contribuintes de alta renda, superior a R$ 600 mil por ano, com a criação de um imposto mínimo, além de ar a taxar a remessa de dividendos para o exterior.
Todavia, quando os secretários e técnicos do Ministério da Fazenda realizaram uma coletiva de imprensa em Brasília para ilustrar as mudanças da reforma, não souberam detalhar como funcionará o cálculo dos novos impostos.
Classe média vai pagar o pato
Muitos economistas calculam que essa cobertura será insuficiente. E deverá provocar um aumento da carga tributária também na classe média e nas empresas.
“Os deputados não entenderam o projeto de isenção do IR”, disse Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados e atual presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF).
Em discurso no começo deste mês em um evento exclusivo do Bradesco BBI, Maia foi bem claro ao dizer que a “compensação será menor e insuficiente para cobrir a perda por ampliação da isenção”.
Segundo o político carioca, quem vai pagar a conta serão os trabalhadores “pejotizados” (isto é, que atuam como pessoas jurídicas) e o setor financeiro, com aumento inexorável dos impostos.
“Estão tributando o Simples Nacional, mas deputados não entenderam o que está acontecendo”, disse Maia. “O texto escrito por Bernard Appy e Marcos Pinto está confuso.”
Para Bichara, são as classes média e média-alta que pagarão a conta dessa mudança. “Isso tudo impactará brutalmente quem está no Simples e também no Lucro Presumido”, explica o advogado. “Médicos, advogados, engenheiros, profissionais liberais em geral pagarão mais impostos. Essa ficha ainda não caiu.”

Aumento das distorções tributárias
Essa reforma provocará também sérias distorções no sistema tributário brasileiro.
“Primeiramente, essa história de 141 ‘super-ricos’ que bancam a isenção de 26 milhões de contribuintes pode não ser verdade”, disse Maria Carolina Gontijo, advogada especialista em consultoria tributária. “Não sabemos quais cálculos a Fazenda fez para chegar a esse número. Mais grave do que isso, essa reforma vai acabar com a tabela progressiva. Agora, quem não será isento do Imposto de Renda pagará diretamente a alíquota máxima, de 27,5%.”
Para Gontijo, a carga tributária das empresas brasileiras também vai aumentar. Hoje, o Imposto de Renda para pessoas jurídicas é de 34%. A média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de cerca de 20%. Incrementar os impostos deixará a economia do Brasil ainda menos competitiva.
“Sem contar que criar novas taxas para a remessa de dividendos vai reduzir ainda mais o interesse de empresas estrangeiras em investir no país”, disse Gontijo. “Em um momento de guerra comercial global, não parece a melhor ideia do mundo.”
Risco de colapso nas contas públicas
O governo não apresentou dados sólidos sobre quanto vai custar a isenção do Imposto de Renda. O que parece cristalino é que tudo isso terá um impacto bilionário no Orçamento federal.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade de análise das contas públicas ligada ao Senado Federal, prevê que o déficit primário dobrará entre 2025 e 2026, ando de R$ 64,2 bilhões para R$ 128 bilhões. Com isso, a IFI prevê a necessidade de que o governo economize pelo menos R$ 72 bilhões para tentar fechar 2026 dentro da meta do arcabouço fiscal.
No começo desta semana, o governo Lula publicou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026. O alerta: existe um risco de colapso nas contas públicas a partir de 2027. Não haverá dinheiro para manter o funcionamento da máquina pública, mesmo com o pacote de contenção de gastos aprovado recentemente no Congresso.
“Em um cenário como esse, é razoável provocar mais um ivo para o Orçamento federal em uma lógica eleitoreira, e nem sequer tendo a contabilidade feita corretamente”, observa Gontijo.

Erro pedagógico
Isentar a maioria dos brasileiros do pagamento de Imposto de Renda tem também um efeito pedagógico perverso.
“Se as pessoas não contribuem com nada, nem simbolicamente, com o erário, elas também tenderão a cobrar menos a classe política para que o dinheiro dos pagadores de impostos seja usado da melhor forma possível”, diz Bichara. “Estaremos diante de um fenômeno de desresponsabilização coletiva. Não será algo positivo para o país.”
O problema do populismo é que ele pode ser muito atrativo. A isenção do Imposto de Renda é um caso típico. Todo mundo quer pagar menos impostos. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que a reforma tem apoio de 76% dos brasileiros e é rejeitada apenas por 20%.
Com esses números, será difícil para deputados e senadores votarem contra a medida. O medo da impopularidade, a pressão nas redes sociais, e as eleições se aproximando serão suficientes para derrubar qualquer dúvida por parte dos parlamentares. Ainda que, no mercado financeiro, a impopularidade de Haddad tenha disparado após a apresentação da reforma de isenção — ou de 24% para 58% nos últimos três meses.
Haddad se proclamou “muito confiante” na tramitação no Congresso Nacional. “Será muito difícil de não aprovar”, disse o ministro.
Só que, quando se abre a porteira, começa a ar a boiada. Além da isenção do Imposto de Renda, o governo Lula está criando uma série de iniciativas demagógicas, com o objetivo de recuperar parte da popularidade perdida nos primeiros dois anos de mandato. Entre elas a entrega de gás de graça para 22 milhões de brasileiros. Ou a ampliação do número de beneficiários da tarifa social de energia elétrica, que chegaria a 60 milhões de pessoas. Ou, ainda, o aumento dos remédios gratuitos entregues por farmácias populares, a elevação do salário mínimo além da inflação, os programas Pé-de-Meia, Desenrola e o consignado privado.
O problema do populismo é que, quando ele se instala, é difícil de reverter. E termina arrebentando os cofres públicos, deixando o país mais atrasado e pobre e contaminando a democracia.
“Acredito que criamos um constrangimento moral no país”, disse Haddad em entrevista à TV Brasil. Com certeza, um constrangimento com quem conhece o básico de matemática. Ele percebeu que as contas públicas não estão fechando. E teme que o país se torne o que a Argentina era até 2023.

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Lá vai o Brasil descendo a ladeira…
Marilda Azambuja. Qual a razão de muitos brasileiros alunos raz6
Não tem como um troço desse dá certo. Junta Fernando Haddad com Simone Tebet, o que mais pode sair de um negócio chefiado por essas duas figuras?
O interesse é um só, nivelar todos por baixo e que fiquem dependentes deles, de programas do governo.
Oa PTralhas querem acabar com a classe média iniciativa privada/pública e tranformar os cidadãos em esmolados de um governo socialista tipo Venezuela.