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Edição 266

Tecnologia quântica: modo de usar

Depois da inteligência artificial, a CQ promete mudar nossa vida em menos tempo do que se pode imaginar

Dagomir Marquezi
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O que é a tecnologia quântica? Uma teoria incompreensível? Uma vaga promessa para um futuro distante? Teoria incompreensível, talvez, para nós, leigos. Futuro distante? O site especializado em tecnologia The Next Web (TNW) conversou com vários especialistas e gente da indústria de ponta de tecnologia e perguntou quando teremos a quantum utility. Ou seja, a capacidade de colocar em prática na vida dos seres humanos as promessas teóricas da computação quântica (CQ).

Dos entrevistados, 83% responderam praticamente a mesma coisa: esse momento vai chegar nos próximos dez anos — ou menos. E, como aconteceu com a IA, vai enfrentar no início algumas dificuldades — como a falta de profissionais especializados nessa área e a desorganização de um mercado que está saindo do ovo.

O jornalista Philip Ball escreveu para a revista BBC Science Focus uma espécie de guia para os usos práticos da tecnologia quântica. Mesmo sendo especialista em ciência, Ball reconhece em seu artigo: “A física quântica é confusa. Realmente confusa. Você não vai acreditar em quão grandemente, enormemente, surpreendentemente confusa ela é. Felizmente, cientistas estão explorando o assunto por anos e, finalmente, começando a dar algum sentido a isso tudo”.

Mais do que cientistas, a tecnologia quântica começou a atrair dinheiro de verdade. Nesta semana, o estado americano do Novo México (onde, aliás, nasceu a bomba atômica) anunciou que pretende se tornar a base da indústria de computação quântica por meio do programa Quantum Moonshot. O programa reúne o governo estadual, universidades locais e o Departamento de Defesa dos EUA. O investimento inicial é de US$ 160 milhões para os próximos dez anos.

O Novo México investirá US$ 160 milhões em computação quântica para se tornar a base dessa indústria, numa parceria entre governo, universidades e o Departamento de Defesa | Foto: Reprodução/X

O Novo México não será o único polo americano para o desenvolvimento da indústria de tecnologia quântica. A cidade de Chicago está criando, segundo o Wall Street Journal, um parque industrial inteiramente voltado para essa nova tecnologia. O Vale do Silício, na Califórnia, também está envolvido, e a empresa de chips Nvidia já escolheu a cidade de Boston como sua sede para investimentos em CQ.

Fora dos EUA, outros países estão investindo com firmeza na área e criando polos de pesquisa: China, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Japão e Austrália. Portanto, não é mais uma vaga possibilidade a chegada da tecnologia quântica. É uma certeza aí na esquina.

A seguir, as principais áreas de investimento.

Computadores quânticos

Serão extremamente rápidos. Uma ideia da agilidade: alguns dos cálculos já resolvidos por esses CQs demorariam o tempo de duração do Universo para serem resolvidos por um computador convencional. 

Com essa velocidade e capacidade de computação, os CQs poderão, por exemplo, prever com extrema exatidão as condições meteorológicas. Se disser que vai chover às 16h12, você poderá abrir o guarda-chuva às 16h11.

Como consegue ser tão rápido e poderoso? Um computador convencional funciona à base de dois únicos algarismos — 0 e 1, unidades chamadas de bits. Cada ação do computador se baseia nesta escolha: zero ou um.

Já o computador quântico funciona à base de qubits, ou bits quânticos. O CQ trabalha com o zero e o um ao mesmo tempo. E não só com o zero e o um, mas também com os infinitos números que estão entre o zero e o um.

Computadores quânticos serão tão rápidos que poderão prever condições meteorológicas com extrema precisão, trabalhando com qubits que processam múltiplos estados simultaneamente | Foto: Shutterstock

O grupo especializado em tecnologia quântica do Google aponta três problemas iniciais que os CQs poderão ajudar a resolver:

  • Melhores remédios: “Ao calcular como certos candidatos a medicamentos vão interagir com seus alvos e outras moléculas biológicas, os computadores quânticos podem nos ajudar a projetar tratamentos mais eficazes e a avançar na medicina”.
  • Baterias melhores: segundo o pessoal do Google, é preciso simular o ajuste do uso de alguns fatores da produção de baterias, cada vez mais presentes em nossa vida. E só a CQ vai possibilitar esse ajuste, tornando a produção menos dependente do volátil mercado de matérias-primas.
  • Energia: estamos a caminho das usinas a fusão nuclear, que prometem uma fonte limpa, segura e barata como nunca tivemos. Mas a criação dos reatores de fusão é tão complexa que os computadores convencionais não estão dando conta da tarefa. Os computadores quânticos deverão possibilitar esse salto.

Internet quântica

Nossa internet de hoje se baseia no mesmo princípio binário do zero-ou-um. É como pegar uma rua onde só a uma fila de carros. A internet quântica vai ampliar essa rua para uma via expressa de muitas, muitas faixas. E essa não vai ser a única vantagem. 

Mensagens poderão ser enviadas por meio de um processo chamado “emaranhado quântico”. Será a era (ainda experimental) da criptografia quântica. Segundo Philip Ball, ficará “impossível para algum eventual bisbilhoteiro interceptar e ler a mensagem sem que o receptor detecte a adulteração”.

A internet quântica ampliará a capacidade de transmissão de dados e usará criptografia quântica para garantir mensagens impossíveis de serem interceptadas sem detecção | Foto: Reprodução/YouTube

Aproxima-se o dia em que moraremos em smart houses, que vão funcionar com comandos pelo celular (ou seus sucessores). Vamos poder tirar a comida do freezer, ajustar o ar-condicionado, escolher a música ambiente, acertar a temperatura do banho, ligar as luzes — tudo isso antes de chegarmos em casa. A internet convencional não dará conta disso. 

As condições práticas para a criação de uma tecnologia efetiva de conexão quântica já estão sendo colocadas em prática. Um grupo de pesquisadores internacionais criou o primeiro sistema operacional para redes quânticas — o QNodesOS. O sistema foi desenvolvido pela Aliança da Internet Quântica (QIA), com sede na Holanda e no Reino Unido. 

Sensores quânticos

Sensores quânticos (criados à base de cristais) apontam para a possibilidade de medições extremamente precisas de distância e velocidade. Pense numa ressonância magnética do cérebro com uma precisão milhares de vezes maior que a atual. Coágulos e tumores poderão ser localizados e tratados praticamente sem margem de erro.

Ao mesmo tempo que possibilitarão a melhor compreensão de elementos microscópicos, sensores quânticos poderão ter utilidade em sistemas macro de navegação.

A Nasa já está desenvolvendo sua primeira pesquisa com sensores quânticos num projeto que atende pela sigla QGGPf. A ideia é realizar a mais precisa medição de gravidade da Terra de todos os tempos. Nosso campo gravitacional muda o tempo todo por causa de condições geológicas que a atual tecnologia não consegue acompanhar. Uma medição mais precisa poderá levar à descoberta de riquezas ocultas sob a superfície, como depósitos de minerais e de água. 

A Nasa desenvolve sensores quânticos para realizar a medição mais precisa da gravidade da Terra, o que pode revelar recursos ocultos, como minerais e água | Foto: Shutterstock

“Um sensor quântico emprega os princípios da mecânica quântica para medir atributos físicos como luz, campo magnético ou temperatura com precisão e sensibilidade excepcionais”, definiu o site Newstrail. “Sensores quânticos encontram ampla utilidade em diversos campos, incluindo metrologia, exploração da física fundamental, imagens médicas, vigilância ambiental e sistemas de navegação.”

Termodinâmica quântica

A Revolução Industrial do século 19 foi em boa parte proporcionada pela descoberta da termodinâmica. Foi preciso entender que o calor de uma caldeira alimentada por carvão pode fazer um trem se movimentar. Ou que a explosão controlada de combustíveis fósseis num motor possibilita que as rodas de um carro se movam. É a “briga” entre átomos que produz esse movimento.

Surge agora a possibilidade de “motores quânticos”. Átomos que não brigam entre si, mas atuam de forma coordenada, produzindo puro movimento sem qualquer desperdício, com eficiência máxima. “Pense no aumento da eficiência que pode surgir se duas pessoas coordenarem suas ações em vez de trabalharem independentemente”, resume Philip Ball. O segredo está em fazer os átomos mudarem de status constantemente, de modo a criar movimento sem desperdiçar energia e calor como os motores convencionais.

Emaranhado quântico

Esse território é tão complexo que ainda não se pensou numa forma de aproveitar esse fenômeno na prática. Resumindo, é a capacidade de uma partícula afetar outra, mesmo não estando próximas.

É isto: duas ou mais partículas podem se comportar da mesma forma, ainda que estejam distantes entre si. Isso leva à possibilidade de universos paralelos, independentes, mas conectados. 

Nesse terreno do emaranhamento de partículas, podemos apenas vislumbrar possibilidades que por enquanto pertencem à ficção científica. Como teletransporte ou comunicação telepática.

Nesse rumo, poderemos concluir que a realidade que conhecemos hoje seria uma espécie de ilusão, uma interpretação simplificada de algo muito mais complexo. Temos um mundo que achamos ser real, e outros mundos paralelos que não enxergamos. Pelo menos até agora.

O emaranhamento quântico sugere a possibilidade de universos paralelos conectados, abrindo portas para conceitos como teletransporte e comunicação telepática | Foto: Shutterstock

O que nos leva a outro portal de percepção: “Um mundo que achamos ser real, e outros mundos que não enxergamos”. Não parece muito semelhante ao que supomos ser uma vida espiritual?

Os sempre presentes profetas do apocalipse

A revista Wired já está anunciando o “Q-Day”: “Um dia, em breve, num laboratório de pesquisa perto de Santa Bárbara ou Seattle, ou numa instalação secreta nas montanhas chinesas, tudo começará: a repentina revelação dos segredos do mundo”.

A ideia é que tudo em nossa vida — contas bancárias, e-mails, geolocalização, “todo o sistema financeiro global” — é protegido por senhas e outros recursos criados por computadores convencionais. E computadores quânticos poderão decifrar meio que repentinamente todas as senhas e todos os recursos de segurança do mundo.

Esse novo apocalipse teria que entrar na fila por onde já aram o bug do milênio e os robôs assassinos movidos a inteligência artificial. Essas previsões catastróficas felizmente não estão se confirmando.

Teremos nossas contas bancárias expostas repentinamente em alguma “instalação secreta nas montanhas chinesas”? Ou os computadores quânticos criarão antes um sistema de segurança muito melhor do que o que temos agora? Seremos aniquilados por armas de tecnologia quântica? Ou descobriremos novas e elevadas dimensões em nossa vida?

O ano de 2035 está logo aí.


dagomirmarquezi.com
@dagomirmarquezi

Leia também “A era da desextinção”

8 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Rio Grande do Norte já saiu na frente, a cientista Fátima Bezerra já está operando com o com o computador quântico criado por Chico vigilante e vicentinho

  2. JORGE LUIS
    JORGE LUIS

    Esse assunto é muito interessante, gostaria de mais reportagens sobre esse tema. Muito bom! Isso é um alento contra o charlatanismo! Gostaria de estar aqui, quando for descoberto que existem outras civilizações no Universo, não que eu precise de confirmação, tenho isso como uma verdade para mim.

  3. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    Se outras dimensões.da vida puderem ser provadas, seria o fim do charlatanismo religioso, finalmente.

  4. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    Armas de tecnologia quântica já foram usadas no extermínio de milhões de vidas na segunda guerra mundial. Bombas nucleares, ou bombas atômicas, são exemplos típicos de exploração da Teoria Quântica de Max Planck.

  5. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    Multiversos

  6. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    Multiversos

  7. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    A teoria dos universos paralelos é antiga, e aceita como plausível por físicos de vanguarda que estudaram a existência real de “mulversos”. Talvez as ferramentas necessárias para a comprovação experimental dos universos, e como se relacionam entre si, estejam finalmente chegando.

  8. Francisco de Assis Bonfati
    Francisco de Assis Bonfati

    Artigos sempre úteis e inteiramente.

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