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Foto: Melnikov Dmitriy/Shutterstock
Edição 267

Azul enfrenta turbulências

E mais: o otimismo da Gerdau, os novos negócios da Petrobras, a invasão da China pela soja brasileira e a entrevista exclusiva com Daniel Mitchell

Carlo Cauti
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Na última semana as ações da Azul registraram uma derrocada na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), pulverizando mais da metade do valor de mercado da aérea. A companhia precisa de R$ 900 milhões para pagar dívidas que venceram no dia 30 de abril. A Azul informou que obteve um financiamento adicional de R$ 600 milhões por parte dos atuais credores, fortalecendo a liquidez do grupo.

Os recursos extras serviriam para realizar uma oferta primária de ações que pretendia levantar até R$ 4,1 bilhões. Todavia, a empresa aérea só conseguiu R$ 1,66 bilhão, o que gerou a forte desvalorização das ações.

A demora em regulamentar o plano de ajuda de R$ 4 bilhões aprovado pelo Congresso no ano ado está provocando sérias dúvidas sobre o futuro da empresa. E por isso o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, está sob pressão.

Mercado prevê concordata

Analistas de um grande banco de investimentos preveem que a Azul deverá entrar com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos — o chamado Chapter 11 — nas próximas semanas.

A empresa precisaria de pelo menos seis meses para negociar com seus credores. Todavia, isso provocaria um adiamento de pelo menos um ano na fusão com a Gol. Que também ou por um período de Chapter 11, terminado em 2022.

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Brasileiro economiza mais

Pela primeira vez a porcentagem de brasileiros que conseguem economizar chegou a 33% da população em 2024.

Segundo os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), essa porcentagem aumentou três pontos porcentuais na comparação com 2023. O que significa 5 milhões de pessoas a mais.

A porcentagem de brasileiros que dizem investir se manteve em 37% em 2024, representando cerca de 59 milhões de pessoas.

O problema é que cerca de 4 milhões de brasileiros declararam na entrevista que bets (sites de apostas esportivas) são investimentos.

Roberto Motta explica que a dificuldade da inflação no Brasil se dá em razão das manobras usadas pelo governo federal para bancar seus gastos, ‘que são cada vez maiores’ | Foto: Rawpixel.com/Freepik
Foto: Rawpixel/Freepik

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Gerdau otimista

A Gerdau está otimista em relação ao futuro de suas operações na América do Norte, mesmo com a mudança da política comercial dos Estados Unidos.

A siderúrgica brasileira tem uma carteira de encomendas elevadas, e o volume de vendas também se mantém estável.

Durante a coletiva de imprensa que seguiu a divulgação de resultados do primeiro trimestre de 2025, o vice-presidente de finanças da Gerdau, Rafael Dorneles Japur, considerou o nível de atividade da Gerdau como “robusto”.

Foto: Piotr Swat/Shutterstock

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Governo quer mais data centers

O governo federal enviará ao Congresso uma proposta de desoneração de tributos federais sobre investimentos em tecnologia da informação de data centers.

O plano será apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante uma viagem ao Vale do Silício nos próximos dias.

O ministro apresentará o Brasil como um polo de infraestrutura sustentável, aproveitando a ampla oferta de energia renovável do país.

Segundo o Ministério da Fazenda, a nova política poderá destravar cerca de R$ 2 trilhões em investimentos na próxima década.

Foto: Shutterstock

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O Brasil dos shopping centers

O setor de shopping centers no Brasil continua a todo vapor.

Segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), cerca de 1,8 mil marcas inauguraram lojas no quarto trimestre de 2024. Uma alta de 4,4% em relação ao mesmo período de 2023.

O segmento que mais cresceu foi o de alimentação e bebidas, que representou 26% das inaugurações.

Segundo a Abrasce, hoje menos da metade dos visitantes dos shoppings (44%) vai com o objetivo de fazer compras. A totalidade afirma que vai ao shopping para comer alguma coisa na praça de alimentação ou nos restaurantes durante o eio.

Além disso, 97% frequentam atividades de lazer, como cinemas, parques, jogos eletrônicos ou atrações como boliche e pista de patinação.

As receitas de 2024 já ultraaram o volume pré-pandemia.

Foto: Nan Tun Nay/Shutterstock

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Concessões expirando

Nos próximos meses vão expirar as concessões de cerca de 20 distribuidoras de energia. Esses contratos poderão ser renovados por mais 30 anos, a depender de avaliações técnicas realizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pelo Ministério de Minas e Energia.

A diretoria da Aneel aprovou recomendar ao governo federal a prorrogação da concessão da distribuidora de energia EDP Espírito Santo. A primeira na fila.

As próximas distribuidoras com concessões vencendo são a Light, em junho de 2026, e a Enel Rio, em dezembro de 2026.

Além disso, a distribuidora da Enel São Paulo e concessionárias dos grupos FL, Neoenergia, Equatorial e Energisa também estão na lista e já encaminharam à Aneel seus pedidos de renovação contratual.

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Acabou a bonança das commodities?

Para o Banco Mundial, o preço das commodities deverá cair nos próximos meses, atingindo os menores níveis em termos reais da última década.

Segundo o relatório Perspectivas dos Mercados de Commodities, o enfraquecimento do crescimento global provocado, em parte, pelas turbulências comerciais provocará uma queda dos preços globais de matérias-primas de 12% em 2025 e de mais 5% em 2026.

Essa queda marcará o fim de um boom de preços fomentado pela recuperação econômica após a pandemia de covid-19 e pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.

Um declínio que poderá ter consequências negativas para as economias em desenvolvimento que exportam commodities — como o Brasil.

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Negócio da China para a Petrobras

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, viajou até a China, onde se reuniu com empresários, investidores e representantes do governo local para buscar novas parcerias na indústria naval.

A Petrobras apresentou um panorama de suas atividades, especialmente na indústria naval, e destacou o potencial para ampliação dos estaleiros no Brasil. Rui Costa, ministro da Casa Civil, também participou da reunião.

Sérgio Bacci, presidente da Transpetro, reforçou o movimento de retomada da construção de navios para a indústria de petróleo no Brasil.

Petrobras, Sindipetro
Edifício-sede da Petrobras, no Centro do Rio de Janeiro | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Cada vez mais petróleo no Brasil

A produção de petróleo e gás natural no Brasil cresceu mais de 9% em março de 2025, alcançando cerca de 4,6 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed). Uma dinâmica que vem impulsionando o setor de energia no país.

Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a produção de petróleo subiu quase 8%, para 3,6 milhões de barris diários, e a de gás natural aumentou aproximadamente 15%, para 165,4 milhões de metros cúbicos por dia.

O pré-sal representou quase 80% da produção total, com alta de pouco menos de 11% em relação ao ano anterior, produzindo cerca de 3 milhões de barris por dia, avanço de algo em torno de 10%.

Petrobras pressiona

A Petrobras também está pressionando o Ibama para autorizar a exploração da chamada Margem Equatorial.

A petrolífera enviou uma carta para o instituto ambiental solicitando autorização para enviar um navio-sonda à bacia da Foz do Amazonas, e pedindo uma resposta até 15 de maio para dar início aos preparativos de operação.

No documento, a empresa afirma ter atendido às exigências ambientais, inclusive a limpeza do casco da sonda. Além disso, a estatal solicitou uma vistoria em uma unidade de estabilização de fauna em Oiapoque (AP).

O presidente Lula, o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras são favoráveis à exploração dos recursos petrolíferos na Bacia do Rio Amazonas. O Ibama e o Ministério do Meio Ambiente demonstram resistência.

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Invasão de soja brasileira na China

A soja brasileira está cada vez mais presente nos portos chineses.

Cerca de 40 navios transportando soja brasileira devem atracar no porto chinês de Zhoushan em abril. Uma alta de quase 50% em relação ao ano ado.

A informação foi divulgada por uma conta de mídia social afiliada à emissora estatal chinesa. Poderia estar ligada à estratégia da China de aumentar as compras de soja brasileira e evitar fornecedores dos EUA, como retaliação à nova política comercial americana.

Nos últimos anos, a China reduziu sua dependência dos grãos dos EUA e ou a comprar mais do Brasil. Em março, o governo de Pequim impôs taxas de 10% sobre as importações de soja dos EUA depois que o presidente americano Donald Trump aplicou tarifas sobre produtos chineses.

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BTG Pactual de olho nas commodities

O BTG Pactual obteve a concessão da área portuária PAR14 no Porto de Paranaguá. O lance vencedor do leilão realizado na B3 foi de R$ 225 milhões.

Com isso, o maior banco de investimentos da América Latina ganha ainda mais solidez em sua estratégia de se tornar um grande intermediador de commodities, especialmente agrícolas, exportadas pelo Brasil.

Em uma recente entrevista ao jornal britânico Financial Times, o presidente do conselho do Banco, André Esteves, salientou que o Brasil será o fornecedor da maioria dos alimentos do mundo no futuro próximo. E o BTG não quer ficar de fora desse negócio.

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Entrevista: Trump não é um liberal clássico e o tarifaço não faz sentido

Na quarta-feira 6 de novembro de 2024, o dia após a vitória eleitoral de Donald Trump, as bolsas de valores dos Estados Unidos fecharam em forte alta. A euforia tomou conta de Wall Street, e muitos empresários, economistas e analistas de orientação liberal festejaram a volta à Casa Branca do candidato do Partido Republicano.

Seis meses depois, o mercado financeiro parece ter entrado na modalidade de depressão, amargando fortes quedas nos índices acionários. E as mesmas pessoas que apoiaram Trump em sua campanha eleitoral começaram a criticá-lo severamente.

A razão: a nova política comercial dos Estados Unidos. A imposição de altas tarifas alfandegárias contra todos os países do mundo, com o objetivo de proteger a economia americana e criar as condições para uma reindustrialização do país.

“A vitória de Trump foi excelente para a luta contra a cultura woke [cultura da ‘lacração’, na tradução em português] e para frear migrações descontroladas. Mas ele está sendo péssimo nas escolhas de política comercial. Isso prejudicará a economia americana”, explica em entrevista exclusiva a Oeste Daniel Mitchell, cofundador do Center for Freedom and Prosperity, entidade criada para lutar contra a intervenção estatal na economia e preservar a concorrência fiscal internacional.

Economista libertário, Mitchell apoiou Trump, mas considera o tarifaço uma “insensatez” que poderia custar caro não apenas ao presidente americano, mas também ao Partido Republicano como um todo.

“Se continuar assim, existe um elevado risco de perder as eleições de meio de mandato em 2026. E o pleito de 2028. Seria uma tragédia”, explica.

Durante a conversa realizada durante o Fórum da Liberdade de Porto Alegre, Mitchell abordou uma série de questões, como os desafios contemporâneos para os liberais clássicos, os riscos representados pelo populismo fiscal e a trajetória econômica dos Estados Unidos.

Daniel Mitchell, cofundador do Center for Freedom and Prosperity | Foto: Reprodução

Quais serão os efeitos da nova política comercial dos Estados Unidos, com a aplicação de tarifas adicionais por parte do governo Trump, para as economias americana e mundial?

O melhor cenário que vocês ouvem de alguns apoiadores de Trump é que isso é apenas uma tática de negociação. Eu não acredito nisso. Acho que uma das poucas coisas em que Donald Trump realmente acredita, no fundo do seu coração, é que o comércio é ruim. Ele não entende de comércio internacional, não entende a economia do comércio. Ele acha que um déficit comercial significa que você está perdendo. Nenhuma teoria econômica sustenta essa visão tola. Mas ele tem essa animosidade profunda ao comércio. E então eu temo que esse seja o início de uma guerra comercial. Com certeza ele vai fechar alguns acordos que reduzam algumas dessas tarifas. Mas, quando a poeira baixar, teremos um sistema de comércio internacional muito pior, com barreiras comerciais muito maiores. Espero desesperadamente estar errado, mas temo estar certo.

Entretanto, nos últimos 30 anos os Estados Unidos registraram uma balança comercial cronicamente deficitária com a China, especialmente depois da entrada dela na OMC. E também é notório que a China, assim como outros países, pratica dumping e manipula o câmbio para favorecer seu comércio. Então, por que os Estados Unidos deveriam manter as fronteiras abertas para os produtos desses países? Por que atuar de forma correta se os outros estão trapaceando?

Se Trump estivesse focado apenas na China e talvez em alguns outros países no mundo com histórico de uso de subsídios para distorcer o comércio, haveria um argumento sólido em favor disso. Se Trump tivesse apoiado isso, fortalecido a OMC e movido processos contra a China na OMC, isso seria perfeitamente compreensível e legítimo. Mas impor tarifas alfandegárias contra o mundo inteiro baseadas em fórmulas matemáticas sem sentido é outra coisa. Trump é um protecionista, e o fato de ele estar perseguindo países que têm barreiras comerciais menores que os Estados Unidos não é reciprocidade. Isso é protecionismo descarado. O mesmo do presidente Herbert Hoover nos anos 1930, eu temo. E as consequências daquilo foram a Grande Depressão.

Em seu discurso de posse, no dia 20 de janeiro, Trump fez uma referência à ‘Era de Ouro’ dos Estados Unidos do final do século 19. Naquele momento o país era muito mais protecionista do que hoje, e foi um período de grande expansão econômica. Por que Trump usou esse exemplo? E seria possível obter o mesmo resultado hoje?

Bem, de fato houve um forte crescimento econômico no final do século 19 nos Estados Unidos. Mas esse foi um período do padrão-ouro clássico. Esse foi um período em que não havia Imposto de Renda. Esse foi um período em que não havia estado de bem-estar social. O governo era muito menor do que é hoje. Não havia intervenção estatal na economia. Então, quando Trump cita tarifas comerciais que arrecadavam cerca de 2% a 3% do PIB como explicação para o crescimento da época, eu acho que é uma compreensão equivocada da história econômica. As causas foram outras.

Trump está dizendo que pode substituir o Imposto de Renda pelas tarifas alfandegárias. Isso seria possível?

Trump não entende de política comercial. E me parece que não entende também de política fiscal. O governo federal dos Estados Unidos no final do século 19 custava cerca de 2% a 3% do PIB. Era muito menor do que Hong Kong, muito menor do que Singapura hoje. Um estado realmente mínimo. Mas hoje as coisas mudaram. O governo federal custa cerca de 23% a 24% do PIB. E os Impostos de Renda, das pessoas físicas e das pessoas jurídicas, estão arrecadando cerca de 15% a 16% do PIB. Não se pode substituir Impostos de Renda gigantescos por tarifas que, no máximo, poderiam arrecadar de 3% a 4% do PIB. Então, é um argumento sem sentido que alguns dos apoiadores de Trump estão usando.

Trump foi eleito especialmente com os votos dos trabalhadores, dos operários, das regiões do Centro-Oeste. Essas pessoas estão pedindo protecionismo. Mas essas pessoas pagarão o preço dessa política, pois a inflação será alta. Trump perderá esses eleitores logo após a entrada em vigor do tarifaço, quando o aumento dos preços chegará às suas casas?

Trump venceu a eleição de 2024 por três motivos. Primeiro: a alta da inflação durante o governo de Joe Biden e Kamala Harris, com as pessoas registrando uma piora em seu teor de vida. Segundo: a escalada da ideologia woke. O povo americano não gosta quando meninos podem jogar contra meninas em times esportivos do ensino médio, usar seus banheiros, ou que seja imposto o uso de uma linguagem neutra. Terceiro: Kamala Harris era uma candidata terrível, e o Partido Democrata ficou preso a ela quando o idoso Biden desistiu no último minuto. Trump teve muita sorte por ter uma adversária desse tipo e em relação aos principais temas da campanha eleitoral dela. Mas eu não acho que o povo americano votou por uma expansão massiva de tarifas alfandegárias que prejudicarão famílias de renda baixa e média. Em seu primeiro mandato, Trump levou adiante certa política protecionista. Mas era muito menor comparada ao que ele está fazendo agora. Há investimentos, poupanças, aposentadorias que estão sendo prejudicados pelo protecionismo. Haverá perdas de empregos por causa do protecionismo. O preço de produtos essenciais aumentará drasticamente por causa do protecionismo. Trump está cometendo um erro gravíssimo. E, se ele não reverter isso, causará um dano incrível ao Partido Republicano. É quase um cenário dos sonhos para o Partido Democrata, que terá uma grande vitória nas eleições de meio de mandato em 2026 e dominará totalmente o cenário político em 2028 se Trump não corrigir o erro que está cometendo.

O Partido Republicano apoiará Trump nessa política comercial no Congresso?

O problema com a política comercial nos Estados Unidos, infelizmente, é que o presidente, o Poder Executivo, tem muito poder. Quando Trump decide sobre os impostos alfandegários, não há votação no Congresso. A maioria dos senadores e deputados republicanos no Capitólio sabe que essa é uma política ruim. Eles estão tentando ser leais. Estão tentando não ser abertamente críticos ao seu presidente. Mas alguns deles já estão dizendo que é necessário tirar do presidente o poder de impor esses enormes aumentos de tarifas. Eles querem acabar com essa política suicida.

Ao mesmo tempo, o governo Biden não cancelou as tarifas criadas por Trump em seu primeiro mandato. Especialmente as contra a China. Além disso, desta vez o ‘estado profundo’ parece não estar boicotando essas políticas, diferentemente de 2016 a 2020. Por quê? O protecionismo se tornou uma política bipartidária nos EUA?

Sem dúvida Biden também era um protecionista. Ele não reverteu o protecionismo de Trump. Ao contrário, adicionou mais protecionismo em seu próprio governo. Quando falamos de “estado profundo”, estamos falando da burocracia permanente em Washington. Que é de esquerda. Não há dúvida sobre isso. Eles têm interesse em um governo maior, impostos mais altos, mais intervenção estatal. Eles não mudaram nos últimos quatro ou oito anos. O que aconteceu é que, diferentemente do seu primeiro mandato, Trump e sua equipe aprenderam a ser mais eficazes. Pode ser que desta vez eles consigam também obter resultados em termos de desregulamentação, onde Trump realmente tem boas ideias.

Todas essas medidas fazem parte do Projeto 2025, ou são ideias de Trump?

O Projeto 2025 foi um projeto da Heritage Foundation, com o objetivo de ajudar a orientar e guiar o governo Trump. É claro que Trump não precisava de ajuda para ser protecionista. Estamos vendo a influência do Projeto 2025 em ações como o DOGE, de Elon Musk, e os esforços para fechar o Departamento de Educação. Muitas dessas ideias são muito, muito boas. E essa é a parte frustrante sobre Trump: ele tem algumas políticas muito boas, mas também algumas políticas muito, muito ruins. É como se faltasse uma linha filosófica consistente. Biden teve um governo grande e consistente. Ronald Reagan, um governo pequeno e consistente. Com Trump, é como se fosse um menu onde você escolhe o que prefere de uma base filosófica sólida. Trump não é um liberal clássico. Ele não acredita instintivamente em governo limitado. Às vezes ele defende esse lado, mas, em questões como comércio e gastos governamentais, ele está do lado da esquerda.

O Partido Republicano se tornou o partido dos pobres? Dos operários, dos colarinhos azuis, e não mais da classe média? Os republicanos mudaram seu DNA, e Trump é expressão disso?

Há essa mudança notável na política americana. As pessoas ricas se tornaram woke e certos segmentos abastados da sociedade, como o mundo universitário o os intelectuais, se tornaram muito mais de esquerda, especialmente em questões sociais e culturais. Não são necessariamente socialistas loucos como Bernie Sanders, mas simpatizam com um governo maior. Enquanto a classe trabalhadora, instintivamente, acha o woke repugnante. A ideia de que o governo vai dizer para seus filhos que meninas podem se tornar meninos e vice-versa, escondendo isso dos pais, gerou uma forte revolta. A agenda da lacração é algo de que as pessoas comuns, de classe média ou baixa renda, não gostam. E por isso essas pessoas estão se aproximado do Partido Republicano. Eleitores negros e hispânicos estão se aproximando muito mais dos republicanos. Não é pelo protecionismo. É pelo woke. Grande parte do eleitorado americano agora é politicamente muito fluida, para usar um termo woke. O que acontece se os republicanos voltarem para um candidato do tipo Ronald Reagan? Um tipo de candidato com uma agenda muito mais liberal clássica poderia conquistar muitos desses eleitores, assim como Reagan fez na década de 1980. Mas, se os republicanos voltarem para um republicano de classe alta, como Mitt Romney, provavelmente perderão os eleitores da classe trabalhadora. O trumpismo não é a solução. Reagan claramente conquistava esses eleitores muito antes de Trump. O que provavelmente é mais interessante de observar é se o Partido Democrata decidirá se tornar mais racional em questões de woke. Mas o problema é que a elite do Partido Democrata, especialmente as mulheres brancas de classe alta, são totalmente woke. É a nova religião deles. E, se você violar um dos sacramentos, eles vão querer queimá-lo na fogueira. Então fica muito difícil desvendar isso. Será fascinante ver o que acontecerá nos próximos anos.

Voltando à economia, aqui no Brasil a discussão é sobre um Estado maior, com Lula, ou um Estado menor, com Bolsonaro. O ministro Paulo Guedes fez de tudo para que o Brasil entrasse na OCDE. Mas, ao mesmo tempo, essa entidade está tentando padronizar impostos e lutar contra paraísos fiscais. Para o Brasil, seria mais interessante entrar na OCDE ou ficar de fora e fazer concorrência tributária para atrair empresas e investimentos?

Países como o Brasil querem se juntar à OCDE pelo simbolismo. Entrar no chamado “Clube dos Ricos” junto com o Primeiro Mundo. México, Chile, Colômbia, Costa Rica, Turquia são países membros. Alguns desses países são tão ricos quanto alguns dos países pobres da Europa. Mas isso não significa que a entrada na OCDE melhorou sua condição. A OCDE é basicamente um bando de burocratas recebendo gordos salários isentos de impostos em Paris. Não fazem absolutamente nada. Ocupam seu tempo compilando estatísticas. Basicamente não muda nada para os países que entram. Ao mesmo tempo, não é tão prejudicial assim. Talvez seja um pequeno desperdício de dinheiro dos pagadores de impostos. O problema é que a OCDE foi capturada por essa mentalidade europeia de dirigismo estatal, de harmonização, de centralização, de um governo maior. Ainda existem bons economistas trabalhando na OCDE que acreditam em mercados livres. E, historicamente, a OCDE era uma espécie de contrapartida da Comecon, a organização econômica do bloco comunista. Mas é lamentável que a OCDE tenha se desviado tanto na direção do estatismo. Se o Brasil aderir com Lula como presidente, isso simplesmente ajudará a OCDE a se inclinar ainda mais para a esquerda. Mas não será o maior problema do Brasil.

A reforma tributária elaborada pelo governo Lula cria um imposto unificado sobre o valor agregado, o IVA. E o Brasil terá o maior IVA do mundo. A carga tributária no Brasil não para de crescer e, ao mesmo tempo, o rombo nas contas públicas parece estar fora de controle. O que esperar do Brasil?

O Brasil está em uma espiral descendente muito perigosa de mais impostos, mais gastos, mais dívida, mais impostos, mais gastos, mais dívida. Essa nunca foi uma receita para a prosperidade. Agora, existem países ricos com governos grandes? Sim, existem alguns países ricos na Europa com governos grandes. Mas a coisa mais importante a entender é que eles se tornaram países ricos antes de terem um governo grande. Eles se tornaram países ricos no século 19 e no começo do século 20, quando o governo era muito pequeno e muitos deles nem sequer tinham Imposto de Renda. O Brasil está cometendo um erro terrível. Temos a maior carga tributária de qualquer país da América Latina. Simplesmente, não há como o Brasil se tornar um país rico com uma carga tributária que se aproxima de 50% do PIB. Isso é loucura. Como um país de renda média em desenvolvimento poderá alcançar níveis ocidentais de prosperidade com esse tipo de carga tributária? Com um setor público desse tamanho? Com essas intervenções públicas em sua economia privada?

Ao mesmo tempo, aqui no Brasil, temos um partido liberal, o Novo, que é muito pequeno. O mesmo acontece na Europa. Nas últimas eleições na Alemanha, os liberais saíram do Parlamento federal, o Bundestag. Nos Estados Unidos, os liberais à la Reagan, os republicanos clássicos, perderam as eleições primárias contra Trump. Por que é tão difícil ser um liberal neste momento histórico?

Se eu soubesse a resposta para essa pergunta, a estaria espalhando em todos os países do mundo. Existe uma escola de pensamento econômico chamada “Escolha Pública”, que explica que os políticos têm um incentivo para tornar o governo maior e, na prática, subornar as pessoas com seu próprio dinheiro. Infelizmente, acho que isso tem acontecido em todo o mundo. Minha teoria é que a questão crucial para o Partido Republicano nos EUA e para alguns dos partidos liberais clássicos na Europa é a imigração. As pessoas não gostam de imigração em massa. Alguns libertários e liberais clássicos querem fronteiras abertas. Mas, na prática, essa é uma resposta eleitoralmente perdedora. Trump venceu em 2016 por causa de uma só questão: a imigração. Os partidos de direita na Europa, pela mesma razão. Se Friedrich Merz na Alemanha tivesse sido mais duro sobre a imigração, ele não teria sido obrigado a fechar um acordo com o Partido Social Democrata para uma coalizão de governo. Teria tido a maioria absoluta. Os partidos liberais clássicos consideram as migrações como um sinal de saúde, pois as pessoas querem se mudar para seus países. Na minha opinião, o liberalismo clássico não se recuperará a menos que chegue à conclusão de que é preciso entender a importância das fronteiras de seus países e preservá-las. Se houver migração em massa, isso pode mudar a cultura política de um país inteiro. Muitas vezes para pior. Olhe para a Argentina. Era um dos países mais ricos do mundo até o começo do século ado. Mas se moveu para a esquerda depois da onda migratória europeia daqueles mesmos anos. Foram os europeus que trouxeram as ideias socialistas. Poucos anos depois, chegou o peronismo. Esse seria um exemplo muito poderoso nessa parte do mundo.

Leia também “A briga pesada pelo controle da Tok&Stok”

3 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Acredito no mercado de Data Center no Brasil. Porém, não no momento, pois depender de articulações de gente como Fernando Haddad… fica difícil!

  2. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    Voe Azul e finalize sua viagem em confortáveis ônibus.. amendoim..

  3. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    Voe Azul e finalize sua viagem em confortáveis ônibus.. amendoim..

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