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Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deputado Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, e senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal | Foto: Saulo Cruz/Agência Senado
Edição 267

De exceção em exceção

Os ministros do STF esquecem que, se o regime for mesmo democrático, é preciso que a origem do poder, o povo, saiba como se expressa sua vontade na escolha de seus representantes

Alexandre Garcia
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O deputado Hugo Motta foi eleito presidente da Câmara sob a promessa de priorizar o projeto de anistia. Não cumpriu a palavra, cometendo o mais grave dos pecados políticos. Um erro que leva a sucessivos atos, como a ameaça do líder do PL, Sóstenes Cavalcante, aqui em Oeste, de não cumprir outro item do acordo, a respeito de emendas. Gerou reação do ministro do Supremo Flávio Dino, que intimou Sóstenes a explicar a ameaça sobre emendas, numa interferência nas relações internas do Legislativo, o que, por sua vez, gerou contra Dino uma arguição de descumprimento de preceito constitucional — a independência de Poderes. E assim vai, como peças de dominó caindo, toda vez que se cometem erros que poderiam ser evitados pela opção de agir certo. Assim é um inquérito sem Ministério Público, sob a iniciativa do próprio Supremo, que já dura mais de seis anos e nem o Supremo sabe como termina. Assim foi com a derrubada do comprovante do voto, que gerou sérios protestos, como o do 8 de janeiro.

Deputado Sóstenes Cavalcante | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Esses erros, como todos os erros, só tendem a atrair mais erros. O “Inquérito do Fim do Mundo”, por exemplo, atraiu os acusados do 8 de janeiro, investigação que deveria estar, como outras, na primeira instância. Inquérito que só se mantém porque a balança da Justiça pesa apenas contra a direita. Aí ganha a hipocrisia da mídia, que é de esquerda em maioria e torce para a direita não poder ganhar eleição. Um jornalismo que chega ao cúmulo de ser porta-voz de frases que lhe foram postas nos ouvidos, sem pejo de confessar que vieram de ministros do Supremo, como essa de não dar anistia para quem vandalizou a sua casa. Só que, se a casa for de juiz, a conclusão é outra. Pois um juiz está impedido de julgar o invasor que vandalizou a sua casa. Ele é a vítima. Seria vingança se o fizesse. Teria que convocar juiz de outra comarca para julgar seu ofensor, porque é parte do processo. Isso é claro, é óbvio. Mas é o que o Supremo está fazendo com aqueles que injuriaram e difamaram seus ministros há mais de seis anos, e há mais de dois anos com os que invadiram em 8 de janeiro de 2023 a sede do Judiciário numa baderna. Ninguém armado e não havia situação para golpe de Estado; não se faz golpe de Estado contra o Judiciário. A Débora do batom, no entanto, foi condenada a 14 anos de prisão por escrever “perdeu, Mané” — assim, em português correto, com a vírgula — numa estátua de granito que não foi danificada em um milímetro cúbico sequer. Ela não tem foro privilegiado, mas teve o direito de defesa , ao ser condenada na Corte Suprema, e não na primeira instância, assim como ficou presa preventivamente por mais de dois anos, o que é fora do devido processo legal, e ficou no presídio mesmo tendo filhos menores de 12 anos, o que despreza o artigo 318, inciso V, do Código de Processo Penal.

O Supremo não é o juiz natural deles, desobedecendo ao artigo 5º da Constituição. O foro deles é a primeira instância, e todos teriam direito a recurso na segunda instância, no Tribunal Regional Federal. Com isso, não há a ampla defesa, garantida no artigo 5º da Constituição. Além disso, os que invadiram o Supremo não poderiam ser julgados pelo invadido, que é a vítima. A soma de crimes tem elevado as penas por um truque que não respeita a consunção. Quando há um crime maior, não se conta a pena do crime subsidiário. O homicídio com arma ilegal só pune o homicídio, não o porte ilegal. Além disso, estão enquadrados em golpe de Estado armado que não houve. Ninguém tinha arma nem foi comprovado que estivessem fazendo algo que não fosse uma manifestação contra a apuração sem transparência de seus votos. Vale para os punidos pelo inquérito criado por Toffoli, em que o relator é vítima e fez o inquérito como ofendido, delegado, promotor e juiz. 

Pode haver solução? Já que o Senado atual é incapaz de corrigir, como lhe compete, aposta-se na renovação. Ano que vem teremos eleições, mas no mesmo sistema de apuração. Se o resultado for apertado, teremos as mesmas dúvidas. O sistema que o Brasil adota foi cancelado na Alemanha por falta de transparência. O eleitor precisa compreender como seu voto foi apurado e tem que haver a possibilidade de recontagem. Isso já foi aprovado no Congresso por significativa maioria, que até derrubou veto de Dilma. Ninguém quer resultado de eleição como se fosse sorteio, em que gira um globo e cai um número. Mas o Supremo, que não tem representação popular do voto, tem imposto sua vontade, como se Legislativo fosse. Parece a teimosia da vaidade. Esquecem que, se o regime for mesmo democrático, é preciso que a origem do poder, o povo, saiba como se expressa sua vontade na escolha de seus representantes.

O Congresso pode resolver tudo isso. É o Poder que recebe a procuração do gerador do poder. É o mais importante dos Poderes. Está em primeiro lugar no segundo artigo da Constituição. O ministro Fux destacou isso. Mas senadores e deputados têm medo, porque podem ser julgados pelo mesmo tribunal. A solução é não eleger gente que tenha pendências no Judiciário. Ou mudar a Constituição para eliminar esse cruzamento em que o Senado aprova ou desaprova ministros do Supremo e o Supremo condena ou inocenta senadores e deputados. E deixar de sermos bonzinhos e ivos com os nossos servidores nos três Poderes. Ou entregaremos tudo como cordeirinhos prontos para a tosquia.

Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal | Foto: Antonio Augusto/STF

Inspirada por Gramsci, a esquerda vem investindo numa revolução sem armas há meio século e colhe os resultados, vindos das faculdades, na mídia, no sistema judiciário, nas artes. A direita não deve ter lido Gramsci e dormiu por quase todo esse tempo, antes de ser acordada por Bolsonaro. Só lhe restaram as redes sociais. Por isso, mais uma vez a despeito da Constituição, que veda expressamente a censura, o Supremo e o presidente da República tentam pressionar o Congresso a “regulamentar” as redes sociais, que já estão regulamentadas por lei sancionada por Dilma, o Marco Civil da Internet. Vão ferindo a Constituição até matá-la. Zanin lacrou celulares de advogados e parlamentares num recente julgamento na Primeira Turma e explicou que foi medida excepcional; Cármen Lúcia, às vésperas do segundo turno, censurou a Brasil Paralelo em “situação excepcionalíssima”. De exceção em exceção cairemos, enfim, num regime de exceção.

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6 comentários
  1. Eduardo Pimentel Serra
    Eduardo Pimentel Serra

    Cairemos num regime de exceção não, já caímos nele faz tempo.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Já estamos imersos em um regime de exceção. Até quando?

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Caro Alexandre, a meu ver já estamos em um regime de exceção.
    A quebra de promessas de Hugo Motta e seu alinhamento ao sistema comprova isso.
    O que me espanta é que nem o regime militar 1964-1985 ousou ir tão longe.
    Aliás foi neste regime que muitos dos atuais ocupantes de cadeiras nos mais diversos cargos públicos foram anistiados depois de cometerem atentados a bomba, sequestros, assassinatos e roubos a bancos.

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Alexandre parabéns. Poucos jornalistas insistem em falar no voto impresso tão necessário para pacificar nossa sociedade, ao menos a centro direita. A esquerda com certeza não o deseja mais.

  5. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Sempre um prazer ler seus artigos Alexandre Garcia.

  6. JOSE ROBERTO CARRARA
    JOSE ROBERTO CARRARA

    é exatamente isso Sr. Alexandre Garcia, o congresso não toma providencias no palavreado popular, por ter rabo preso, simples assim,,,,

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