Ninguém realmente espera que a diplomacia predomine nas falas ou nas decisões de Donald Trump. Mesmo assim, causou surpresa a forma tosca como, no dia 7 de abril, em uma coletiva de imprensa no Salão Oval da Casa Branca centrada no tarifaço internacional imposto pelos Estados Unidos, o presidente americano desviou desse assunto e comunicou: “Estamos em diálogo direto com o Irã para negociar um acordo sobre seu programa nuclear.”
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, presente na cena, apenas se mexeu, desconfortável, na cadeira. Manteve por instantes os olhos baixos, aparentemente desconcertado em ver seu plano de ataque ao Irã ser prorrogado por tempo indefinido — sem no entanto aparentar surpresa. Agora, os três países estão engajados em uma dança peculiar, na qual cada um segue uma coreografia própria conforme sua agenda, estilo e, principalmente, timing.

Comum a Tel Aviv e a Washington é a certeza de que assistir à República Islâmica do Irã transformar-se em uma potência nuclear é inaceitável. Para Israel, essa seria uma ameaça existencial, uma vez que o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, conclama aos quatro ventos seu plano de destruir o Estado Judeu. Para os Estados Unidos, um Irã nuclear pode alterar o equilíbrio de forças no Oriente Médio e enfraquecer sua influência regional.
Sharona Mazalian Levi, pesquisadora do Alliance Center for Iranian Studies e doutora formada pela Universidade de Tel Aviv, explica que o regime teocrático xiita iraniano, que controla o país desde a Revolução Islâmica de 1979, vê no Ocidente seu maior inimigo. “Para ele, o mundo se divide entre oprimidos — Irã entre eles — e opressores, no caso os Estados Unidos e seus aliados”, explica Sharona. “Os EUA são chamados de ‘o grande satã’. E, aos olhos dos mulás, os doutores em lei islâmica que lideram o regime, Israel, ‘o pequeno satã’, foi uma criação inglesa e americana com o objetivo de dividir o mundo muçulmano e controlar o Oriente Médio. Deve, portanto, ser destruído”.

Jogo de xadrez
Segundo as agências de inteligência, o Irã já possui urânio enriquecido suficiente para produzir uma bomba atômica no prazo de poucas semanas. Essa estimativa é o maior fator de tensão para Israel. “Os israelenses sabem que os iranianos são negociadores de alto nível e mestres em ganhar tempo”, afirma Jonathan Schanzer, vice-presidente da Foundation for Defense of Democracies. “Israel não pode esperar e quer acelerar essa negociação. Se compararmos a um jogo de xadrez, no último ano e meio o Irã perdeu seus peões, cavalos e bispos. Só lhe resta a rainha, que é o programa nuclear, uma peça que ele não sacrificará a menos que o rei, o próprio regime, esteja ameaçado. Se Khamenei sentir-se assim, poderá se dispor a sacrificar a rainha. É essa a situação que Israel quer impor por meio de um ataque.”
É claro que interessa aos EUA e a outros países a elaboração de um acordo que evite a guerra com o Irã, ainda mais se lembrarmos que o regime iraniano está fortemente alinhado com a China e a Rússia. “A questão é que tipo de acordo será feito”, observa Sima Shine, diretora do Programa Iraniano da Universidade de Tel Aviv e ex-agente sênior do Mossad. “Por enquanto é difícil saber, uma vez que os dois lados ainda não entraram nos detalhes — e o diabo mora neles”. Segundo Sima, o governo dos aiatolás é conhecido por seu estilo ardiloso de negociação. “Seus representantes nunca deixam claro quais são seus objetivos e sempre há a sensação de que podem esperar um pouco mais para ver até onde o outro lado está disposto a ceder.”

Sima, que há décadas monitora o programa nuclear iraniano, lembra que o Irã dá motivos para a desconfiança alheia, uma vez que frequentemente viola acordos firmados. “Segundo o Plano de Ação Conjunto Global (JOA, em inglês), assinado por vários países em 2015 depois de anos de negociação, o Irã deve informar a localização de todas as suas instalações nucleares e permitir a visita de inspetores internacionais, o que não ocorre”, afirma. “Sabe-se da existência de pelo menos uma instalação secreta, e podem existir outras. O país é enorme e cheio de túneis, o que faz com que seja impossível monitorá-lo completamente.” Essa falta de transparência é altamente prejudicial até mesmo para a elaboração do acordo em discussão. “Mas não há jeito: só podemos criar políticas baseadas no que sabemos, não no que não sabemos”.
Outra característica dos negociadores iranianos é explicitar apenas o que não aceitam, operando sempre de modo reativo. Abbas Araghchi, ministro de Relações Exteriores do Irã, diretamente envolvido nas negociações, declarou por exemplo que não aceitará um acordo como o selado com a Líbia (que previu desarmamento completo) nem como o dos Emirados Árabes (proibido de produzir internamente o combustível para centrífugas). Deduz-se, assim, que o Irã planeja pleitear manter suas centrífugas, continuar enriquecendo domesticamente o urânio e usufruir da suspensão das sanções econômicas — ou seja, o céu e a terra.

Regime em crise
É interessante notar que, no fim das contas, é justamente o Irã o principal interessado em um acordo neste momento. Por dois motivos. Em primeiro lugar, no ano de 2024, quando pela primeira vez os dois países se confrontaram diretamente, ficou claro que o Irã não tem condições bélicas de enfrentar Israel, ainda mais enquanto este conta com o apoio dos EUA. Segundo, porque o regime iraniano enfrenta há anos uma grave crise econômica em função não só das sanções americanas como também da corrupção endêmica e do bilionário e financeiro a milícias terroristas pelo mundo.
“O Irã está vivendo a pior crise interna de sua história”, afirma Sharona. “Sua moeda é a mais fraca do mundo. Um terço da população está abaixo da linha da pobreza. 5% vivem em extrema pobreza. Há fome, desemprego, hiperinflação, falta de água, gás e eletricidade, expansão urbana desordenada. O crime e o uso de drogas pesadas, como heroína e metadona, dispararam entre a população. Não há proteção ambiental, as mulheres vivem sob leis especiais e restritivas, há abuso sistemático dos direitos humanos, prisões políticas, execuções públicas. É ingênuo pensar que o regime está disposto a mudar sua ideologia ou sua forma de atuação; ele apenas tenta ganhar tempo, esperando que Trump não siga para um terceiro mandato e que seu sucessor seja mais leniente.”

Impressiona, portanto, observar que os líderes iranianos mantenham sempre um tom de soberba. “Espero que seja possível chegar a um acordo, mas não posso garantir”, afirma repetidamente o ministro Araghchi.
O governo ditatorial xiita, que oprime os iranianos há quase 50 anos, é protegido pela Guarda Revolucionária, um corpo paramilitar temido e bilionário (dono de metade dos campos de petróleo do país) que tem também a missão de treinar e subsidiar milícias em países como Bahrain, Iraque, Líbano, Síria, Iêmen e Territórios Palestinos (Gaza e Cisjordânia). Isso levou os EUA a acusar o Irã, em 1984, de ser o principal patrocinador estatal de terrorismo do globo. As sanções econômicas estão sendo impostas há décadas, desde o governo de Jimmy Carter.
Adversário de segunda divisão
Benjamin Netanyahu observa pacientemente há longos meses o cenário perfeito para o tão sonhado ataque de Israel às instalações nucleares do Irã. Mas não tem outra alternativa a não ser valsar ao ritmo de Trump, que afirma que “teremos um acordo sem começar a jogar bombas por todo lado”. “O céu iraniano está nu, indefeso, e a força aérea israelense pode operar ali sem dificuldade”, diz Schanzer. “Mas, se Trump diz não, os israelenses dão a ele o respeito que precisam dar”.

Por sua vez, Trump se vê frente a duas correntes dentro de seu próprio governo: enquanto uma apoia o ataque ao Irã, a outra exige que seu foco esteja na China, considerada por muitos como “a real inimiga americana” da atualidade. O Irã, que conhece bem a linguagem do presidente americano, insinuou aos empresários americanos a promessa de contratos trilionários para reconstrução da infraestrutura do país. Essa injeção financeira fortaleceria o regime — o que desagradaria tanto Israel quanto a própria população iraniana, que extenuada por décadas de opressão e pobreza quer ver a derrocada do atual regime.
“Uma pesquisa realizada pelo instituto holandês GAMAAN em dezembro de 2023 mostrou que 80% dos iranianos querem o fim desse governo”, conta Sharona. “Muitos chamam Khamenei de ‘Hitler do século 21’. Vários comemoraram publicamente a eleição de Trump. Há quem se refira a ele como ‘salvador’. E agora, no momento em que o sistema está abertamente debilitado, não querem que os EUA prolonguem sua sobrevivência com concessões diplomáticas ou econômicas”.
O governo dos aiatolás bem sabe que os EUA não querem guerra — e essa é sua cartada mais poderosa. Mas também sabe que, caso dê um o em falso, as Forças Armadas americanas serão acionadas. E o alvo não será apenas as instalações nucleares.
O jornalista e analista israelense Amit Segal ilustra a angústia do Estado judeu: “Israel está jogando contra um time da segunda divisão, com um goleiro machucado e sem defesa, e mesmo assim não pode marcar o gol”, compara. “Enquanto ele é impedido, o adversário se reforça. É isso que o Irã está fazendo agora: enriquecendo urânio enquanto ninguém age. Essa é uma janela de oportunidade rara. Se não a aproveitar, Israel terá perdido a atual e cruel guerra para a qual o Irã o arrastou em outubro de 2023.”
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O inimigo do meu opressor é meu amigo!
Curioso este pensamento de parcela da população iraniana, enxergando Donald Trump como uma salvação.