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Edição 268

(A falta de) perspectivas de um empreendedor no Brasil

Os entraves do governo à abertura e manutenção de negócios pressionam aqueles que ainda insistem em tentar manter uma empresa no país

Isabela Jordão
Isabela Jordão
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“Tributação”, “burocracia”, “segurança”. Três palavras que trazem calafrios a qualquer um que se atreva a empreender no Brasil. De acordo com o Banco Mundial, um empresário brasileiro gasta cerca de 1,5 mil horas no ano só para cumprir obrigações fiscais. 

O estudo, publicado em 2021, conclui que processos burocráticos demorados e complexos são um grande desafio em todas as áreas de regulamentação das atividades empresariais, entre abertura, obtenção de alvará, pagamento de impostos e execução de contratos. A principal causa apontada é a falta de integração entre agências federais, estaduais e municipais.

Já entre os impostos, a sopa de letras é gigantesca (veja box abaixo). Os federais são cinco: IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins e INSS. Também há impostos municipais e estaduais, além da burocracia, que muda significativamente de um Estado para outro. 

Todos os municípios cobram um Imposto Sobre Serviços (ISS) entre 2% e 3%. Já os Estados dispõem do mais complexo dos tributos: o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que varia de região para região e tem alíquotas distintas por produto ou serviço.

Há sete impostos exclusivos para as empresas e que incidem tanto sobre o faturamento quanto sobre o lucro. Além deles, há os impostos dos quais nem os consumidores escapam, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), cobrado pelos municípios sobre os imóveis de áreas urbanas.

Fica pior no Rio de Janeiro

Responsável pelo segundo maior PIB estadual do país — atrás apenas de São Paulo —, o Rio de Janeiro tem também o segundo maior ICMS. Com alíquota-padrão de 22%, perde para o Maranhão, cuja taxa foi atualizada para 23% neste ano. Ainda assim, o Estado nordestino teve mais empresas abertas em 2023 que o Rio. 

A capital fluminense amplifica ainda mais a hostilidade ao empreendedorismo, porque, além dos impostos, há uma série de obrigações órias que a prefeitura coloca sobre o lombo dos empresários. Entre elas: taxa de coleta de lixo, taxa anual de licença para os estabelecimentos, taxa de fiscalização sanitária (obrigatória para quem trabalha com alimentação) e, dependendo do negócio, renovação sistemática do alvará de funcionamento. A lista pode incluir também a renovação periódica do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, o licenciamento ambiental e contribuições obrigatórias ao sindicato patronal. 

Não à toa, mais de 180 mil empresas fecharam as portas em 2023 no Estado. Entre os empresários que decidiram nadar contra a corrente e manter o negócio aberto está José Alexandre Pinto, dono da Panificação Oceano, localizada na Ilha do Governador, zona norte da capital. 

Junto ao sócio, ele toca a empresa há 27 anos. “A carga tributária e a burocracia só aumentam”, lamenta. Somando-se os gastos com impostos, serviços de contabilidade e outras obrigações, o total chega a 30% do faturamento mensal. Os custos para contratar, manter ou demitir funcionários também são bastante elevados.

Em alguns meses, mesmo com um faturamento de R$ 100 mil, José e seu sócio não conseguem tirar qualquer lucro depois de arcarem com todas as despesas. 

José Alexandre Pinto, empresário no Rio de Janeiro | Foto: Revista Oeste
José Alexandre Pinto, empresário no Rio de Janeiro | Foto: Revista Oeste

A criminalidade também cobra seu preço

O “custo Rio de Janeiro” é, de fato, algo à parte, analisa Carol Sponza, mestre em políticas públicas pela Hertie School of Governance, em Berlim, e candidata a prefeita do Rio em 2024. Isso porque, além dos impostos oficiais, o poder paralelo da bandidagem também cobra seu preço. “O roubo de carga e a necessidade de pagamento de ‘pedágio’ para a milícia ou para o tráfico se somam a um IPTU altíssimo”, explica. A carência de infraestrutura no município é outro desafio. “O trânsito caótico e o transporte público ineficaz não contribuem para que a cidade prospere.”

Para Carol, apesar dos esforços da prefeitura para simplificar a burocracia municipal, os pequenos avanços não são suficientes. “Somente um choque de ordem e segurança, em conjunto com prefeitura, Estado e governo Federal, pode mudar a realidade do Rio, afirma. 

Peculiaridade brasileira

No Brasil, mais de 2 milhões de empresas fecharam as portas em 2023, segundo o Mapa de Empresas, do governo federal. O número é quase 26% maior que o total do ano anterior. Há quase 30 anos, a Confederação Nacional da Indústria cunhou o termo “custo Brasil” para designar apropriadamente o labirinto dantesco que constitui o ambiente de negócios do país. 

Fonte: Divulgação/Governo Federal

Segundo o Banco Mundial, países desenvolvidos exigem apenas 150 horas por ano de suas empresas para o cumprimento de obrigações fiscais — cujas alíquotas são geralmente bem mais brandas. A burocracia também é significativamente menor. Enquanto a média de tempo necessário para abrir uma empresa no Brasil varia entre 10 e 40 dias úteis, nos EUA, por exemplo, esse tempo é de 2 a 15 dias úteis. 

Fonte: Banco Mundial

A falta de coesão entre as agências (estaduais, federais e municipais), a quantidade de tributos e a dificuldade de calcular cada um deles, os trâmites burocráticos a serem cumpridos e a dificuldade de assimilar tudo isso não são um problema apenas para quem aceita a empreitada de abrir o próprio negócio no Brasil. O resultado, conclui o Banco Mundial, atinge o bolso de todos: patrões, funcionários e consumidores — que acabam pagando pelos produtos e serviços um valor muito maior que o de outros países.

Fonte: Governo federal
Fonte: Governo Federal
Relação entre empresas abertas e fechadas no Brasil entre 2013 e 2023 | Fonte: Divulgação/Governo Federal

Leia também “Quando a fé é considerada crime”

4 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Só tem algum resultado se tirar todos os ladrões narcotraficantes bandidos comunistas terroristas que estão nos três poderes

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Parabéns Isabela, pela escolha do tema que deve sempre está em destaque, pois afeta a vida de todo cidadão.
    Por que ao invés de termos uma CSLL que destina verba para o SUS, que seja encerrado este imposto, ao mesmo tempo elevado o salário de cada categoria, para que cada um possa escolher seu plano privado a livre escolha? O mesmo serve para as outras alíquotas. Espero um dia ver um estudo sobre.

  3. Célio Antônio Carvalho
    Célio Antônio Carvalho

    Porque não COPIAR lá dos USA? Ninguém aguenta pagar tantos impostos aqui nesse País!
    Cadê a tal de “Reforma Tributária”? Serviu para quê?
    Pelo fim dos impostos sobre propriedades, todos:
    IPTU, IPVA, ITBI, ITR, ITCMD! São, na verdade, um confisco do patrimônio alheio.

  4. Paulo Miranda
    Paulo Miranda

    Uma das várias razões por eu NÃO gostar do Rio de Janeiro.

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