Durante sete anos, mais de 10 mil pessoas trabalharam na escavação do túnel ferroviário que corre sob o Canal da Mancha e liga a Inglaterra à França, o Eurotunnel (comumente chamado de Chunnel). No dia 6 de maio de 1994, a rainha Elizabeth II e o presidente francês François Mitterrand inauguraram oficialmente esse grande feito da tecnologia, quase 200 anos depois do surgimento da ideia.
O Eurotunnel é o terceiro maior túnel ferroviário do mundo e a única ligação fixa entre a ilha da Grã-Bretanha e o continente europeu. Conecta Folkestone (Kent, Inglaterra) com Coquelles (Pas-de-Calais, França) e facilita ainda mais o tráfego internacional de ageiros e de carga entre a Europa continental e o Reino Unido. Os ageiros podem viajar em vagões ferroviários comuns ou em seus próprios veículos motorizados, que são carregados em vagões especiais.

Os trens viajam a uma velocidade de até 160 quilômetros por hora e levam cerca de 35 minutos para chegar ao destino. O túnel consiste em três os: dois para tráfego ferroviário e um central para serviços e segurança. Transporta por dia uma média de 50 mil ageiros, 6 mil carros, 180 ônibus e 54 mil toneladas de carga. A construção levou seis anos para ser concluída, a um custo de 4,65 bilhões de libras, o equivalente a US$ 17 bilhões nos dias de hoje.
As escavações começaram em ambos os lados do Estreito de Dover, em 1987, e foram concluídas em 1991. O túnel estende-se por 50,5 quilômetros sob o mar, sendo 37,8 quilômetros submersos, a maior seção subaquática existente no planeta. Em seu ponto mais baixo, o túnel fica 75 metros abaixo do fundo do mar e 115 metros abaixo do nível do mar.

Foi aclamado como uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Eles o classificaram ao lado do Empire State Building, em Nova York; da Torre CN, em Toronto; das obras de proteção do Mar do Norte, na Holanda; da Usina de Itaipu, entre Brasil e Paraguai; do Canal do Panamá; e da Ponte Golden Gate, em São Francisco.
A tecnologia de engenharia empregada no projeto é algo surpreendente. Foram usadas tuneladoras, as icônicas máquinas gigantes de perfuração de túneis, mais conhecidas no Brasil como “tatuzão”, cada uma com o comprimento de dois campos de futebol, capazes de cavar 150 metros por dia. Elas pesavam um total de 12 mil toneladas, o que é mais do que a Torre Eiffel. Ao todo foram utilizadas onze tuneladoras, cinco no lado francês e seis no lado britânico. Uma das máquinas permanece enterrada no fundo do mar, enquanto outra, surpreendentemente, foi vendida no eBay em 2004 por aproximadamente US$ 57 mil. Um dos principais desafios do projeto era garantir que tanto o lado britânico do túnel quanto o lado francês realmente se encontrassem no meio do caminho. Sonares e radares analisaram o trajeto para definir o ponto do subsolo onde os túneis seriam construídos. No entanto, com um projeto tão grande e único, ninguém tinha certeza de que realmente funcionaria. No dia 1º de dezembro de 1990, comemorou-se oficialmente a junção dos dois lados no túnel de serviço.

O minerador aposentado Graham Fagg compartilhou suas memórias do momento exato em que ele atravessou a agem 100 metros abaixo do nível do mar para encontrar Philippe Cozette, um colega francês que estava cavando o túnel do outro lado. Ao relembrar a descoberta, Graham Fagg disse que sua maior preocupação era não machucar Cozette ao perfurar a rocha.
Quando o buraco ficou grande o suficiente, os dois homens apertaram as mãos e posaram para fotos, sob os aplausos dos trabalhadores e das autoridades ali presentes. “Graham Fagg me cumprimentou em francês: ‘Bonjour, mon ami’. Eu disse a ele, em inglês: ‘Bem-vindo à França’, já que estávamos do lado francês”, lembrou o francês. Cozette disse que seu “orgulho” e sua “alegria” se misturavam com “um pouco de tristeza porque o trabalho que tínhamos feito por vários anos estava acabando”.

Os primeiros planos para esse túnel datam de antes do advento dos carros e trens, com alguns projetos sendo tão ambiciosos que corriam o risco de afogar os ageiros no Canal da Mancha. Uma ligação fixa através do canal foi proposta pela primeira vez em 1802, pelo engenheiro de minas francês Albert Mathieu-Favier. Seria um túnel perfurado em dois níveis: o superior, para ser usado por diligências puxadas por cavalos, ventilado por enormes chaminés de ferro que se ergueriam do mar, pavimentado e iluminado por lamparinas a óleo; e o nível inferior, que seria usado para o fluxo de água subterrânea.

No ano seguinte, o inglês Henry Mottray revelou outro projeto de ligação através do canal: um túnel submerso construído com seções de ferro pré-fabricadas. Durante décadas, a ideia de uma ligação fixa através do Canal da Mancha foi discutida, mas os planos acabavam sendo descartados por questões de segurança.
Em 1839, o francês Aimé Thomé de Gamond realizou os primeiros levantamentos geológicos e hidrográficos no canal entre Calais e Dover e, em 1856, apresentou a Napoleão III uma proposta com uma ilha no meio para troca dos animais.

Tentativas de cavar um túnel começaram na década de 1880, mas foram interrompidas quando os britânicos concluíram que não estavam interessados no fluxo de cidadãos ses. Outra tentativa, na década de 1920, teve destino semelhante, e foi somente no final da década de 1980 que o sonho se tornou realidade, com a construção do Chunnel. A inauguração aconteceu em 1994, quase 200 anos depois da primeira proposta.
O Túnel do Canal da Mancha não apenas transformou as viagens entre o Reino Unido e a Europa continental, mas também introduziu desafios legais complexos em relação ao controle de imigração, ao criar uma brecha que permite que indivíduos entrem no Reino Unido sem aporte ou interação com agentes de fronteira.
Daniela Giorno é diretora de arte de Oeste e, a cada edição, seleciona uma imagem relevante na semana. São fotografias esteticamente interessantes, clássicas ou que simplesmente merecem ser vistas, revistas ou conhecidas.
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Excelente coluna. Uma obra fascinante da engenharia.
Lula vai construir um entre Brasil e Venezuela é o Roubotúnel
Muito bom! Elucidativo, claro 👍 e muito bem pesquisado! Parabéns a todos e aqueles que fizeram parte desta emocionante construção!!!
Obrigada, Daise.
Delicia de conteúdo!
Já li vários textos sobre o Eurotunnel! Acho fascinante! Primeira vez q tomei conhecimento que o primeiro projeto era de 1802! Que fase maravilhosa essa da humanidade!
Obrigada!
Realmente fascinante, Rosely.