Pular para o conteúdo
publicidade
Papa Leão XIV na sacada central da Basílica de São Pedro, no Vaticano, durante a oração do Regina Caeli (11/05/2025) | Foto: Reuters/Marko Djurica
Edição 269

Uma instituição que defende verdades eternas deve mudar muito lentamente

Modernizar a Igreja seria uma grande tentação, mas também um grande erro no longo prazo

Theodore Dalrymple
-

Você sabe que está envelhecendo quando o novo papa parece jovem, como Leão XIV parece para mim. Provavelmente não vou viver para ver outro papa. Não tenho fé, nem no catolicismo, nem em qualquer outra religião, mas não sou antirreligião, embora abomine uma teocracia. Certa vez, despertei a fúria de uma famosa publicação britânica de esquerda quando escrevi que algumas das melhores pessoas que já conheci eram freiras caridosas que trabalhavam na África. Elas não trabalhavam sob o brilho da publicidade, nem na esperança de obter fama ou reconhecimento mundial, e afirmei que eram as únicas pessoas que eu havia conhecido (além de alguns médicos) que pareciam genuinamente amar a humanidade como um todo.

Não sei dizer por que isso gerou uma reação tão violenta. Eu não estava fazendo proselitismo para a Igreja nem afirmando que sua doutrina provavelmente era verdadeira: estava apenas fazendo uma observação pessoal. Mas as cartas — as pessoas ainda escreviam cartas naquela época — chegavam cheias de ódio contra as freiras. Eu não imaginava que existisse esse sentimento contra elas. Talvez seja porque os socialistas gostam de achar que são os únicos que realmente amam a humanidade, porque somente eles têm a verdadeira doutrina econômica, e que todos os outros só conseguem fingir amor pela humanidade.

A observação sobre as freiras caridosas gerou uma reação violenta, possivelmente porque muitos socialistas acreditam ser os únicos genuinamente capazes de amar a humanidade | Foto: Shutterstock

Com exceção de uma única religião, descobri também que quem acredita costuma ser melhor que quem não acredita. É claro que estou ciente de que os benefícios, sociais ou psicológicos, trazidos pela religião não têm nada a ver com a verdade da doutrina em que a religião se baseia: muitas pessoas boas acreditam em absurdos. Também conheci pessoas que, cientes dos benefícios da religião, se submeteram a seus rituais sem nenhuma crença religiosa, porque achavam que seria uma boa disciplina para si mesmas e para a sociedade se o fizessem. Entre essas pessoas estava um filósofo famoso.

Certa vez, perto de Antuérpia, na Bélgica, visitei um convento antigo, com muitos séculos de idade. Restavam apenas algumas freiras, com uma média de 90 anos, e, quando elas morressem, o convento seria fechado. Fiquei triste com a ideia da morte de uma instituição tão venerável, ainda que não pudesse compartilhar seus fundamentos teológicos. A julgar pela idade das freiras enterradas no convento, seu estilo de vida era extremamente saudável, pois a maioria morreu com 90 anos, e nenhuma com menos de 80. 

A maré missionária virou

Mas as freiras foram mais ou menos varridas das ruas da Europa, e as poucas que restaram têm o cuidado de não aparecer demais. Quando visitei a Irlanda pela primeira vez, mais de 60 anos atrás, um padre era tratado com veneração, quase como um deus, mas agora os padres têm medo de sair com trajes sacerdotais na Irlanda, especialmente em Dublin, por medo dos insultos. Toda família irlandesa queria ter um sacerdote entre seus membros, mas hoje muitas ficariam horrorizadas se um de seus filhos tivesse vocação para o sacerdócio e provavelmente tentariam dissuadi-lo de estudar para a ordenação.

A maré missionária virou. Costumava ser da Europa católica para a África pagã, mas agora é da África católica para a Europa pagã. Na França, ficamos surpresos se um pároco é francês e não ficamos surpresos se ele é africano. Apenas 20% das crianças são batizadas, e a maioria é criada sem nenhum conhecimento da doutrina ou do ritual da Igreja. Minha mulher, criada em uma família sa que não tem religião, ainda consegue recitar as respostas em latim na missa, o que nenhuma das gerações seguintes consegue fazer. Em uma edição escolar do conto de Flaubert, Um Coração Simples (“Un coeur simple”), os editores sentem a necessidade de explicar aos alunos (de 15 ou 16 anos), em notas de rodapé, o que são a Trindade e a confissão.

Pelo menos na Europa, portanto, a situação da Igreja Católica é lamentável. Supondo que Leão XIV tenha uma expectativa de vida normal para um homem de sua idade, terão se ado 30 anos sem um papa europeu quando ele morrer.

Se fosse papa ou conselheiro do papa, o que eu faria para salvar a Igreja — quero dizer, do ponto de vista de salvar a Igreja como uma instituição, independentemente de qualquer questão de verdade teológica?

A situação da Igreja Católica na Europa é preocupante, com a expectativa de que, ao falecer Leão XIV, já terão se ado 30 anos sem um papa europeu | Foto: Reuters/Guglielmo Mangiapane

Acho que a maior tentação seria a modernização, mas também acho que isso seria um erro terrível, pelo menos no longo prazo. As instituições que afirmam serem proponentes de verdades eternas devem mudar muito lentamente, de preferência de forma imperceptível, em vez de correr atrás do falso deus da modernidade — afinal de contas, não há nada mais efêmero ou mutável do que a modernidade. Já fui a cultos de igrejas “modernas” na Irlanda, e eles são horríveis: o padre faz piadas para dar as boas-vindas à congregação (ou será à plateia?), como se fosse um talk show de TV, seguido de uma performance horrível de violão e orações banais.

A Igreja deve ser um lugar de mistério e ritual

O grande erro foi o abandono da missa em latim. Se alguém disser que as pessoas não a entendiam, que era misteriosa para elas, eu responderia que uma igreja deve ser um lugar de mistério e ritual. A Igreja Anglicana cometeu um erro semelhante ao abandonar seu antigo livro de orações, uma das glórias da prosa inglesa, que tem uma liturgia tão bela que você gostaria de acreditar que era tudo verdade, mesmo não tendo fé. A Igreja Anglicana está moribunda.

Portanto, se eu fosse papa ou conselheiro do papa, seria profundamente conservador, até mesmo reacionário (eu reinstituiria a missa em latim, que é muito mais bonita do que a missa em vernáculo), e qualquer reforma de fato necessária teria de ser feita em ritmo de caracol. Eu teria fé que essa política, embora pudesse não ter resultados imediatos, a julgar pelo número de fiéis, funcionaria no longo prazo, pois assim a Igreja, que supostamente propõe verdades eternas e não busca, ou não deveria buscar, popularidade por meio de reeleição, como qualquer político mesquinho, pareceria ter probidade e estar fundamentada em uma rocha. É claro que a aparência de probidade nesse contexto é mais importante do que a probidade em si, mas é mais fácil parecer ter probidade se você de fato a tiver do que se estiver apenas fingindo.


Theodore Dalrymple é pseudônimo do psiquiatra britânico Anthony Daniels. É autor de mais de 30 livros sobre os mais diversos temas. Entre seus clássicos (publicados no Brasil pela editora É Realizações) estão A Vida na Sarjeta, Nossa Cultura… Ou o que Restou Dela e A Faca Entrou. É um nome de destaque global do pensamento conservador contemporâneo. Colabora com frequência para reconhecidos veículos de imprensa, como The New Criterion, The Spectator e City Journal.

Leia também “A vida é mais que um protocolo”

2 comentários
  1. Leonardo de Almeida Queiroz
    Leonardo de Almeida Queiroz

    Pode lhe faltar a fé,que é pessoal e intransferível, mas reconhece a importância do cristianismo na estabilidade do mundo,ontem,hoje e sempre.

  2. Tabajara Lucas De Almeida
    Tabajara Lucas De Almeida

    Brilhante, lúcido, honesto e lógico. Sou fan de carteirinha do Sr. Dalrymple.

Anterior:
Guerra santa
Próximo:
O fenômeno dos ‘bebês’ reborn
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.