Foto: Montagem Revista Oeste
Edição 270

A farsa legal escancarada

Advogados de réus acusados de envolvimento na suposta tentativa de golpe mostram que a denúncia apresentada pela PGR é tão sólida quanto um castelo de cartas

Nesta terça-feira, 20, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus dez militares acusados de envolvimento na suposta tentativa de golpe de Estado. De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), eles são os “kids pretos do núcleo 3 da trama”. A equipe seria responsável pelo sequestro e assassinato de autoridades, entre as quais o então recém-eleito presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes, que presidia o Tribunal Superior Eleitoral. No julgamento, apenas dois acusados se safaram da condenação iminente: o coronel da reserva Cleverson Magalhães e o general Nilton Rodrigues — este último chegou ao posto graças a Lula e, atualmente, assessora o comandante do Exército, Tomás Ribeiro Paiva.

Ao votar pela rejeição da denúncia da PGR contra os dois, Moraes argumentou “não haver elementos suficientes” que comprovem a participação de ambos no “conluio golpista”. Nos próximos meses, serão julgados os seguintes acusados: general Estevam Gaspar de Oliveira; tenente-coronel Hélio Ferreira Lima; tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira; tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo; Wladimir Matos Soares, agente da Polícia Federal (PF); coronel Bernardo Romão Corrêa Netto; coronel Fabrício Moreira de Bastos; coronel Marcio Nunes de Resende Júnior; tenente-coronel Sérgio Cavaliere de Medeiros; e tenente-coronel Ronald Júnior. Não há data para o desfecho do imbróglio do grupo.

O ministro Alexandre de Moraes durante julgamento | Foto: Foto: Rosinei Coutinho/STF
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, é o relator dos processos que tratam de uma suposta tentativa de golpe | Foto: Foto: Rosinei Coutinho/STF

Radiografia do embuste do golpe em julgamento STF

A “falta de evidências” apontada por Moraes, contudo, não se restringe aos processos de Magalhães e Rodrigues. Também inexistem provas contra os demais acusados. Durante a audiência na Primeira Turma do STF que recebeu a denúncia da procuradoria, os advogados demonstraram que a peça da PGR não a de uma grande ficção. Das sustentações orais, as mais contundentes foram as dos advogados Jeffrey Chiquini, defensor do coronel Azevedo, e de Luciano de Souza, que cuida do caso do tenente Lima. Cada um teve autorização do STF para falar por 15 minutos. Os militares já estão presos preventivamente há seis meses.

Nos autos, Azevedo é apontado como um dos que monitoravam Moraes para executar o ministro. Segundo a PGR, a data do crime seria 15 de dezembro de 2022. Azevedo teria ainda sondado a casa do magistrado no dia. O advogado, contudo, informou que, naquela data, o militar encontrava-se em Goiânia (GO), com a família, onde comemorava seu aniversário. “Há fotos nas redes sociais”, disse Chiquini. “Ele ainda pediu Rappi [aplicativo de entrega de comida] para jantar com sua família em casa.” Segundo Chiquini, a PGR e Moraes não quiseram ouvir as testemunhas. Uma delas, conhecida como coronel Rabello, esteve com Azevedo no aniversário e poderia corroborar a versão da defesa a respeito da viagem. “Entretanto, até agora, não houve qualquer requisição ou intimação para a coleta desse depoimento, evidenciando a desconsideração de elementos que poderiam ser determinantes para apurar a verdade”, disse.

Para obter os registros capazes de sustentar sua tese, o advogado acionou a Apple, que disponibilizou fotos de Azevedo com parentes, e uma operadora de celular, que entregou dados de geolocalização. Além disso, o advogado conseguiu comprovantes de pedágio que mostram o trajeto entre Brasília e Goiânia na data informada pela PGR. Tudo indica que o militar não estava em Brasília. Segundo Chiquini, todas essas provas foram apresentadas ao delegado Fábio Schor, da PF, porém, ele as ignorou. “A farsa da PF disse que Azevedo esteve nas proximidades da casa do ministro Alexandre, mas era impossível”, afirmou Chiquini. “A PGR não mencionou as provas da inocência.”

Depois de também apresentar provas robustas que inocentam seu cliente, o advogado Luciano de Souza, que representou o tenente Lima, decidiu atacar a espinha dorsal das acusações: a delação de Mauro Cid e as controvérsias no entorno dela. Souza lembrou que Cid foi coagido por Moraes a manter a primeira versão (foram cinco) do suposto golpe, que denunciara inicialmente para obter a soltura provisória. Depois de firmar a colaboração, áudios divulgados pela revista Veja sugeriram que Cid apenas corroborou uma versão previamente definida pela PF a respeito do que seria uma ruptura institucional encabeçada por Bolsonaro. Ao ser convocado por Moraes, Cid recuou e repetiu o que dissera anteriormente. “Depois de lembrado pelo ministro que Cid, sua mulher, sua filha e seu pai perderiam sua imunidade, o militar mudou completamente seu depoimento e começou a dizer o que ia ao encontro do relatório final da PF”, afirmou o advogado, diante de Moraes.

Uma segunda nulidade identificada por Souza seria o fato de Moraes ter conduzido a audiência de Cid. “Entendo que Vossa Excelência ultraou os limites legais ao conduzir a audiência do colaborador, porque o senhor não só analisou os requisitos legais, mas determinou que Cid sanasse omissões pelas quais você acreditava que era mentira”, disse o advogado, ao ser fitado por Moraes com cara de deboche. “Seria uma atribuição do PGR, Paulo Gonet, ou do delegado de polícia, e não do ministro relator.”

Souza constatou ainda que Moraes, ao firmar diretamente a delação com Cid, violou o artigo 4°, parágrafo 6° da Lei nº 12.850, segundo o qual um juiz não pode participar das negociações para a formalização de um acordo de colaboração premiada. Em setembro de 2023, Moraes homologou a tratativa, da qual participou com a PF. O advogado disse que o magistrado acabou indo contra decisões de outros ministros do STF, que vedavam a prática. Portanto, nem sequer respeitou os colegas do próprio Tribunal.

Golpe dos estilingues

Em breve, o STF vai avançar para o julgamento do último “núcleo”, o de número 5. Nele, há apenas um acusado: Paulo Figueiredo, que se encontra no exterior. O jornalista pode ser o primeiro a ter a denúncia aceita à revelia, por morar nos Estados Unidos. Os ministros também avaliam, simultaneamente, os depoimentos de 82 testemunhas. Ao longo do caminho, muitas caíram em contradição, evidenciando que, desde a descoberta da “minuta do golpe” na casa do ex-secretário Anderson Torres, pouco depois do 8 de janeiro, a história não a de embuste.

Já para Moraes, as investigações da PF, que duraram dois anos, e a acusação da PGR têm materialidade e são “sólidas”. A cada dia que a, no entanto, a denúncia de golpe de Estado, que teria Bolsonaro como chefe e cujo objetivo seria impedir a posse de Lula, tem a mesma solidez de um castelo de cartas.

Leia também “O preso de estimação do STF”

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11 comentários
  1. MARIVETE APARECIDA CHRESTANI
    MARIVETE APARECIDA CHRESTANI

    É “interessante” que o advogado fala sobre as irregularidades do Ministro, e na cabeça desse ministro ele está pensando: “Tá, e daí?”

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Tem que levar para o xadrez esse governo e esse STF urgente antes que o circo vire uma estrutura de aço

  3. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    De farsa em farsa o país vai afundando e o sistema tentando provar o improvável.

  4. Alessandra Castrignani
    Alessandra Castrignani

    Essa cara de deboche do Alexandre se Moraes diz tudo. Se esse STF não sofrer uma modificação drástica além da sanção Magnitsky, eu temo por um golpe de Estado ano que vem. Proibição de eleições e tomada de poder. Tomara que seja muita viagem da minha cabeça.

  5. RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS
    RICARDO TEIXEIRA DA CRUZ RIOS

    Até agora, não se tem prova de nada contra o ex-presidentes Bolsonaro e demais reus. Esse Judiciário é um perigo contra o Brasil.

  6. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Por onde anda Fábio Schor? Lembrei também daquele delegado da PF escolhido a dedo no caso aeroporto de Roma, chamado Thiago Severo, recompensado com um cargo na Europa… Estas figuras são cúmplices!

  7. Manfredo Rosa
    Manfredo Rosa

    É preciso punir alguns para intimidar os demais. A história mostra que esse objetivo é alcançado sem esforço extraordinário. Basta ler Contestado Canudos, Araguaia…

  8. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Não teve golpe,não teve absolutamente nada.Apenas uma manifestação popular.Nao foi individualizada qualquer pena.A condenação desses militares é apenas a tentativa de demonstrar força de um governo falido e corrupto e de uma suprema corte que pratica tudo, menos justiça.

  9. MNJM
    MNJM

    A narrativa do golpe que não existiu a cada dia fica mais evidente. Moraes não tem imparcializada, não respeita as leis, arrogante e debochado. Tudo que um juiz não pode ser.
    A Instituição está desmoralizada.

  10. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    Para a maioria dos brasileiros, Moraes é um homem pérfido.
    Para milhares, ele deve ter sofrido algum tipo de abuso quando criança ou adolescente que o tornou assim como é, sádico.
    Para muitos, tem algum problema que nem Freud explica.
    Para outros, é um exemplar encarnado de Narciso.
    E se ele não fosse tão vingativo e cruel, muita gente sairia às ruas do país com uma placa em que se leria: MORAES É TONTO DE TUDO.

    1. Manfredo Rosa
      Manfredo Rosa

      A nossa história está repleta de feitores desse naipe. Com chicote enrolado no ombro e garrucha na cintura, estão sempre afoitos, buscando agradar as ordens emanadas lá de fora do curral.

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