Foto: Revista Oeste/IA
Edição 271

A consulta

'Ele nos ignora completamente e não obedece a nenhuma de nossas ordens. Também não nos responde quando perguntamos sobre seus sentimentos e necessidades. Ele já está com 3 anos'

No consultório da psicóloga infantil, o casal está com uma aparência abatida. Distraída ando os dedos na costura do estofado do sofá de dois lugares, enquanto a outra mão segura a do marido, a mulher demora uns instantes para responder à pergunta da profissional, com a qual ela própria falara ao telefone dias antes:

— Confirmem para mim, por favor. O Enzo está com 3 anos, é isso?

— Isso — responde o marido, com um sutil toque de impaciência na voz, talvez por causa da relativa letargia da esposa.

— E há quanto tempo vocês começaram a notar o problema que a Lúcia me relatou ao telefone?

— Acho que desde o primeiro dia, não é mesmo, amor? — o marido cutuca a companheira, que agora olha fixamente para a Dra. Brigitte, mas ainda sem se pronunciar. — Sim, é isso mesmo. Na verdade, ele nunca demonstrou uma boa capacidade de interação. Seu olhar nunca fixa no nosso — continuou o homem, aparentemente aflito com a situação em que se via metido.

— O que mais me exaspera, Brigitte, é que o Enzo parece não nos ouvir — disse finalmente a mulher, com olhos marejados e voz trêmula. — Ele nos ignora completamente e não obedece a nenhuma de nossas ordens. Também não nos responde quando perguntamos sobre seus sentimentos e necessidades. Ele já está com 3 anos! Três anos! Era para estar tagarelando, fazendo gracinhas, rindo com os pais, chamando o cachorro, como fazem todas as crianças dessa idade. O que há de errado com nosso filho, Brigitte? Ajude-nos, eu lhe imploro, Brigitte — conseguiu proferir Lúcia, antes de cair num choro convulsivo.

Mãe desaba em lágrimas durante a consulta ao relatar angústia com o silêncio e a falta de resposta do filho de 3 anos | Foto: Revista Oeste/IA

— Calma, mãezinha. Aquietem o coração de vocês. Estou aqui para ajudá-los. De fato, o Enzo apresenta um desenvolvimento incomum para a idade. De modo que teremos que fazer uma série de avaliações neurológicas, fonoaudiológicas, psiquiátricas, além da bateria de exames médicos regulares. Precisamos identificar se a causa do problema é neurológica, cognitiva, comportamental, emocional. Se há algum transtorno, alguma neurodivergência, enfim…

— É autismo, Brigitte? Não minta para mim! É autismo? Roberto, nosso filho é autista! — gritou a mulher, aos prantos, agarrando-se na gola do marido, que tentava constrangidamente acalmá-la.

— Ainda é cedo para dizer. Como eu disse, será necessária uma série de exames e testes para podermos chegar a um diagnóstico preciso e elaborar estratégias de tratamento… Mas me digam uma coisa: o Enzo dorme bem?

— Ah, disso não temos do que reclamar — respondeu o marido, com um riso abobalhado. — Graças a Deus, dorme muito bem. Vai dormir quando vamos dormir e só acorda quando vamos acordá-lo. a a noite inteira no bercinho, imóvel. Parece um bonequinho.

— Que coisa boa! Nisso vocês deram sorte. E quanto ao peso e à altura? O Enzo está pesando e medindo quanto?

— Não lembro. Acho que o tamanho dele é o padrão. Teria que olhar em casa, no papelzinho — balbuciou Lúcia, com voz abafada, o rosto enfiado no peito de Roberto, que ao mesmo tempo que a consolava suplicava à psicóloga por consolo, lançando-lhe olhares de desespero.

— Sem problemas. Depois vocês podem ar essa informação por e-mail para a Valdirene, a secretária. E como está o padrão alimentar do Enzo? Tem comido bem?

— Esse é mais um dos problemas, Dra. Brigitte — respondeu Roberto. Ele não come nada. Absolutamente nada. Quando tentamos, permanece com a boca renitentemente fechada, recusando-se a engolir qualquer coisa. Tentamos fazer aviãozinho com a colher do Mickey, a que ele mais gosta, mas a comida lhe escorre pela boca e pelo queixo. E olha que, como somos veganos, não damos nada difícil de mastigar, carne, frango, nada. A única coisa que conseguimos dar de vez em quando, pelo buraquinho da boca, é leite. E apenas o leite de amêndoas, que Lúcia descobriu ser mais saudável para a flora intestinal.

— E também em termos ambientais — acrescentou Lúcia, de olhos avermelhados e ainda fungando um pouco.

— Certo, certo. Vamos ter que pensar também numa consulta com um nutricionista. Mas fiquem calmos. Tudo vai dar certo. Aos poucos, vamos compreender melhor o Enzo e poder ajudá-lo adequadamente. Podem agora já acertar tudo e agendar a nossa próxima consulta com a Valdirene aqui na salinha ao lado. Nos vemos em breve. Qualquer dúvida ou emergência, podem também me contatar pelo WhatsApp. Um abraço e vão em paz.

Na sala de espera, a simpática secretária pediu alguns dados adicionais para completar a ficha do paciente e preparar o recibo da consulta.

— Queridos, vou ver na agenda para marcarmos a próxima consulta. Mas antes preciso apenas de mais algumas informações sobre o Enzo. Vocês são aqui de São Paulo mesmo, certo? E o Enzo também nasceu em São Paulo?

Atrapalhada, mexendo na bolsa e tentando encontrar o celular, Lúcia respondeu afobadamente:

— Ih, agora não vou lembrar de cabeça o local de nascimento. Provavelmente China. Mas não tenho certeza. Você lembra, amor? Não? Mas que memória de formiga, hein, Roberto? Desculpe, mas quando chegar em casa eu olho na caixa e envio a informação, bem como o peso e a altura. Pode ser?

Depois de pagar a consulta de R$ 2 mil, e ignorando o olhar de perplexidade e o súbito emudecimento de Valdirene, Lúcia e Roberto, pais do bebê reborn Enzo, saíram apressados do consultório em direção ao hall dos elevadores…

Casal sai apressado do consultório depois de pagar R$ 2 mil por uma consulta para o bebê reborn Enzo | Foto: Shutterstock

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3 comentários
  1. Jaime Moreira Filho
    Jaime Moreira Filho

    Quem precisa de consulta com psiquiatria são esses “pais” dementes. Não saber distinguir bebê normal de uma boneca precisa de internamento em casa de loucos.E a médica cobrou 2.000 para verem se largam da bobeira. Bobeira tem custo.

  2. Solange Issa
    Solange Issa

    Isso é uma verdadeira doença. Onde essas pessoas pensam que vão parar? Que Deus tenha misericórdia!

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