Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Edição 272

Milagreiro de botequim

Lula jura que Deus o escalou para cuidar de problemas que nem Cristo saberia resolver

Primeiro, Lula comparou-se a Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e Tiradentes. Derrotou os três, deu por encerrada a fase nacional da competição, saiu à caça de algum rival estrangeiro mais poderoso e decidiu desafiar o sul-africano Nelson Mandela. Ganhou o embate por larga diferença e botou na cabeça que o céu era o limite. Então começou a competição com a Santíssima Trindade, que só não se completou porque o único presidente da República que jamais leu um livro acha que o Espírito Santo é aquele Estado que faz fronteira com o Rio de Janeiro, Minas e Bahia.

Da esquerda para a direita: Alexandre de Moraes, Lula e Luis Roberto Barroso, durante o desfile de 7 de Setembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, DF (7/9/2024) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula começou vencendo o Filho. “Se eu pudesse destacar uma imagem das facadas que eu tomei, e eu pudesse tirar a camisa, o meu corpo estava mais estraçalhado do que o corpo de Jesus Cristo depois de tantas chibatadas que ele tomou”, desandou em 2014 numa discurseira em louvor da reeleição de Dilma Rousseff. A competição recomeçou alguns palanques depois, sob os olhares aprovadores de Gleisi Hoffmann e Rui Falcão. Surpreendentemente, pareceu conformar-se com a medalha de prata. “Acho que só ganha de mim no Brasil Jesus Cristo”, itiu. “Só.”

Num dos depoimentos colhidos pela Operação Lava Jato, durante o curtíssimo período em que todos os brasileiros pareceram efetivamente iguais perante a lei, o delinquente a caminho da cadeia achou que era hora de igualar-se ao Pai. Ao ouvir do juiz a informação de que tivera o nome citado por outro depoente, o réu caprichou na pose de quem ainda convalescia da trabalheira que lhe dera criar a humanidade e espancou a língua portuguesa: “Doutor, se o senhor soubesse quanta gente usa o meu nome em vão, de vez em quando eu fico pensando pras pessoas lerem a Bíblia pra não usar tanto o meu nome em vão”.

Em 22 de maio deste ano, de agem por Minas Gerais para anunciar a duplicação de uma rodovia, irritou-se com o que qualificou de “ingratidão” do governador Romeu Zema e acabou desempatando o duelo com o Filho: “O que nós fizemos pelos Estados que não pagaram a dívida talvez só Jesus Cristo fizesse se ele concorresse à Presidência da República desse país”. No dia 28, enfim, ao inaugurar uma das obras da transposição do Rio São Francisco, transformou a plateia do comício na cidade paraibana de Cachoeira dos Índios em testemunha de uma assombrosa parceria: foi Lula o escolhido para resolver problemas que nem o Filho saberia eliminar.

“Eu descobri uma coisa”, revelou o milagreiro de botequim. “Fazia 179 anos que se prometia água para essa região. Deus deixou o sertão sem água porque ele sabia que eu ia ser presidente da República e que eu ia trazer água pra cá.” De volta a Brasília, colidiu com pesquisas que decerto desconcertaram o mártir de palanque. Em todas as regiões do Brasil, tanto nas castigadas por chuvas quanto nas atormentadas pela seca, a popularidade do presidente não para de cair. E a desaprovação do governo atinge altitudes siderais — desoladoras para os que vinham fantasiando com a permanência de Lula no Planalto até o longínquo 2030.

Muitos devotos da seita que tem num ladrão o seu único deus acreditam que quem se iguala ao Pai e ao Filho (e vive sob a proteção dos sacerdotes de toga) está fora do alcance de decisões de meros humanos. Errado, saberiam se lessem os livros certos. No romance A festa do Bode, por exemplo, Mario Vargas Llosa funde ficção e realidade para escancarar, em toda a sua torpe inteireza, os 31 anos em que a República Dominicana foi subjugada pelo generalíssimo Rafael Leónidas Trujillo. O segundo homem do regime era Joaquin Balaguer, um poeta e escritor que se dedicou a convencer os dominicanos de que Deus e o ditador eram aliados indissociáveis.

Joaquín Balaguer, segundo homem do regime do ditador Rafael Leónidas Trujillos, que se dedicou a convencer os dominicanos de que Deus e o ditador eram aliados indissociáveis | Foto: Wikimedia Commons

Ele caiu nas graças de Trujillo com o discurso em que expôs a tese de deixar ruborizado um Flávio Dino: depois de garantir a sobrevivência da República Dominicana até 1930, Deus fez o homem talhado para cuidar melhor ainda da nação caribenha e reou ao ungido o bastão de mando sem prazo de validade. Em 1961, depois do atentado que matou Trujillo, o franzino e discretíssimo vice Balaguer esbanjou habilidade política em manobras e arranjos que, com o amparo do governo dos Estados Unidos, afastaram do poder e do país os filhos de Trujillo e todos os possíveis herdeiros do seu legado sórdido. Tudo isso sem maiores ruídos nem sequelas traumáticas. Balaguer assumiu a Presidência, restabeleceu a democracia e voltou a governar a nação outras quatro vezes.

Sim, o Brasil não é uma república bananeira e Lula não é Trujillo. Mas também não há por aqui um Balaguer, e sobram caricaturas de tirano caribenho entre figuras que confundem toga com farda de generalíssimo. Oremos.

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10 comentários
  1. Geraldo marques da silva
    Geraldo marques da silva

    A despeito da ignorância cultural, flexibilidade moral e caráter duvidoso, temos que entender a capacidade dele de corromper e ser corrompido. Mantém Aliados pouco talentosos o idolatram, o que o mantém no poder. Lembro-me que Dilma bateu o pé para ser candidata a reeleição. Sorte nossa. Lunóquio fez tudo para voltar. Imagina como estaríamos.

  2. Geraldo marques da silva
    Geraldo marques da silva

    A despeito da ignorância cultural, flexibilidade moral e caráter duvidoso, temos que entender a capacidade dele de corromper e ser corrompido. Mantém Aliados pouco talentosos o idolatram, o que o mantém no poder. Lembro-me que Dilma bateu o pé para ser candidata a reeleição. Sorte nossa. Lunóquio fez tudo para voltar. Imagina como estaríamos.

  3. Aeduardo
    Aeduardo

    AN, a sua cortante pena nos alegra demais às sextas com seus artigos ácidos espetaculares.
    Aproveite e não deixe em branco a cena grotesca da besta em Paris, palco de situações que nos levam a pensar se este país tem jeito. Falo do Desqualificado escroto estendido no chão em meio a uma multidão de fotógrafos! Assemelhado ao Cabral na festa dos guardanapos na cabeça.
    Sei não, mas quando a coisa começa a ser entendida como uma galhofa ao brasileiro de bem, pode ser dito que o puteiro está bem próximo ao fim. Mais breve até do tempo que imaginamos.

  4. SADI LUIZ BRAGA
    SADI LUIZ BRAGA

    O LULA é analfabeto , mentiroso , bagaceira , corrupto e aqui está o BRASIL do LULA e STF do Alexandre de Moraes.

    1. R Fortes
      R Fortes

      É exatamente essa ficha corrida que impede que muitos intelectuais letrados, porém desonestos, continuem a mentir. Não item em público, terem sido enganados por um semi-analfabeto trapaceiro.

  5. Marcio Cruz
    Marcio Cruz

    Lula critica o “genocidio” de Israel “matando civis e especialmente crianças em Gaza”….
    Lula critica as falas do Trump, com intenção de ocupar territórios da Groenlândia e Canadá… “.

    Mas vc nunca ouvirá o Lula criticar a Rússia por invadir territórios da Crimeia e Ucrânia, matando civis (especialmente crianças)

  6. Isa Maria Borba
    Isa Maria Borba

    Além de tudo é prepotente. Triste será o seu fim. A justiça ♎ Divina não falha

  7. Wagner Darlan Antas de Almeida
    Wagner Darlan Antas de Almeida

    Já estão condenados. Ao lago de fogo e enxofre.

  8. Wagner Darlan Antas de Almeida
    Wagner Darlan Antas de Almeida

    Augusto Lulis descumpriu o mandamento divino. Não pronuncie o santo nome de Deus em vão. Ele vai se ver com o Juízo Final. Nesse tribunal é só pra dar ciência aos réus e sobre sua sentença Há estão condenados..

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