— Tem que regular as redes!
— Regular é pouco.
— Pouco?
— Claro. Podendo ter o bom, ou até o ótimo, por que pensar só no regular?
— Não é nada disso.
— Não? Você prefere ruim ou péssimo? Olha que a rejeição já tá alta demais.
— Não falei regular nesse sentido.
— Não? Ah, entendi. Você está falando em regularidade. Aí, sim. Quanto mais regular, melhor. Chega de instabilidade e intempestividade…
— Cala a boca.
— O que é isso, companheiro? Acho que você não está regulando bem.
— Nem comecei a regulação ainda. Depois que estiver tudo regulado não vai haver mais diálogos idiotas, nem vou ter que ouvir coisas que eu não quero.
— Vai ficar regulando os outros?
— Você não entende mesmo o que é regular, né? Já é o quarto significado errado que você dá.
— Qual é o certo?
— Regular é acabar com a desinformação e o ódio.
— Ah, tá. E como se faz isso?
— Dando poderes ao Estado para banir sumariamente das redes tudo que possa ser enganoso e perigoso para a sociedade.
— Isso é que é regular?
— É. Gostou?
— Muito interessante. E quem vai decidir o que é enganoso e perigoso?
— Ah, tá na cara, né? Nunca viu um discurso de ódio? Não sabe reconhecer uma fake news?
— Mas não tem gente que fala de amor e pratica o ódio?
— Cala a boca.
— Desculpe, não quis ofender.
— Eu que peço desculpas, não queria ter sido tão rude. É que já estou no clima da regulação, entende?
— Claro! Você deve estar empolgado com a limpeza do ambiente e já me deu uma vassourada previamente.
— Foi exatamente isso. Que bom que você compreende. Não vejo a hora de não ter mais que responder a perguntas como a que você me fez.
— Foi uma pergunta equivocada. É que ainda não estou familiarizado com o conceito da regulação. Aí fico desinformando e disseminando ódio sem sentir.
— Não se preocupe. Já, já isso a. O chinês de confiança vai nos ajudar a botar tudo no lugar.
— Será que a gente vai conseguir um ambiente tão limpo e organizado quanto o da China?
— Estou otimista. Tem muita gente boa entendendo o que é democracia e defendendo a regulação, inclusive na imprensa.
— Isso emociona.
— Não é? Ver jornalistas defendendo que o Estado tenha o poder imediato de decidir o que eles podem ou não podem falar, sem processo nem nada, é emocionante.
— Consciência é tudo.
— Consciência e ética.
— Mas e se a regulação cortar a língua deles também?
— Deles quem?
— Desses jornalistas que estão defendendo a regulação.
— Companheiro, cada um é responsável pelo que faz com a sua língua. Jornalistas atentos que nunca saírem da linha não vão ter problemas.
— E se a linha mudar de direção?
— Cala a boca.

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