Para impedir o avanço do Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, em 1938, as forças chinesas decidiram pelo tudo ou nada ao romper os diques do segundo maior rio do país, o Huang He, comumente conhecido como Rio Amarelo, por causa de sua alta concentração de iodo e areia. A inundação atravessou planícies e fluiu livremente pela paisagem oriental, matando milhares de pessoas, a maioria chineses. Durante os nove anos seguintes, as águas do rio se espalharam pelo sudeste do país. O alagamento foi considerado um dos atos de guerra mais prejudiciais ao meio ambiente já registrados.
A invasão da China pelo Japão em 1937 marcou o início do que ficaria conhecido como a Segunda Guerra Sino-Japonesa. Longa e brutal, durou oito anos. Mais tarde, tornou-se parte da Segunda Guerra Mundial no Pacífico. Só foi encerrada quando a URSS quebrou o Pacto de Neutralidade Soviético-Japones ao invadir a Manchúria, e depois do abominável ataque de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Esses eventos dramáticos levaram o imperador Hirohito a finalmente concordar com a rendição completa do Japão. Ao longo do caminho, houve muitas tragédias na Frente Oriental, incluindo o Estupro de Nanquim (1937-1938), o ataque a Pearl Harbor (1941), os bombardeios incendiários de Tóquio (1944-1945) e as Marchas da Morte de Sandakan (1942-1945). Mas um evento em particular foi ignorado pela Academia ocidental por décadas: a inundação intencional do Rio Amarelo.


A Segunda Guerra Sino-Japonesa começou com confrontos na única ponte remanescente que ligava Pequim ao resto da China, em julho de 1937. Em 18 de agosto do mesmo ano, Pequim estava ocupada pelos japoneses, que em dezembro alcançaram a planície costeira ao norte do Huang He e o interior, capturando Nanquim. A guerra estava indo extremamente mal para a China.
Em um esforço desesperado para deter ou pelo menos retardar o avanço do exército japonês em direção à capital temporária, na atual Wuhan, o generalíssimo Chiang Kai-shek, líder do Kuomintang, também conhecido como Partido Nacionalista (GMD), que havia unificado a China dez anos antes, recorreu à terrível ideia de usar a força da natureza contra os japoneses: ordenou o rompimento dos diques do Rio Amarelo, localizado no norte do país, com 5.464 quilômetros de extensão. Então, a partir do dia 5 de junho de 1938, as principais artérias fluviais começaram a ser dinamitadas, e o curso do rio foi alterado em centenas de quilômetros.


O efeito foi um alagamento impiedoso e de grandes proporções. O curso do rio tomou uma nova forma e entrou em faixas de terras agrícolas, afetando tanto a população militar quanto a civil. O pior efeito foi em Henan. A população não foi avisada das enchentes que se aproximavam, e o resultado foi uma crise humanitária catastrófica para os habitantes locais. A escala de destruição da inundação não foi calculada e o custo humano foi enorme, além dos danos econômicos e do impacto ambiental.
Embora as inundações tenham complicado o avanço japonês e dado tempo para a retirada chinesa, os japoneses acabaram alcançando todos os objetivos que buscavam na época. As águas turvas do rio continuaram a inundar a planície durante toda a guerra, e, depois da rendição do Japão, em 1945, um esforço considerável foi realizado para fechar a brecha criada pelo exército de Chiang. Apenas em março de 1947 o rio voltou ao seu curso anterior.

É extremamente difícil separar os efeitos da enchente do total de mortes civis na guerra, mas a maioria das estimativas publicadas aponta para a perda de mais de 800 mil vidas em Henan, Anhui e Jiangsu, e quase 4 milhões de chineses deslocados. Muitos não morreram imediatamente. Sofreram as consequências das inundações ao longo do tempo, em consequência do surto de doenças e da fome. Afinal, uma enorme quantidade de plantações foi destruída, e a guerra impediu o transporte suficiente de suprimentos de emergência.
Chiang Kai-shek acreditava que romper o dique era uma nova maneira de controlar o rio para fins militares e que o sacrifício era justificado, mas essa tática de terra arrasada foi incrivelmente mais custosa e prejudicial ao seu próprio povo do que aos seus inimigos.
A estratégia nacionalista de transformar o Rio Amarelo em uma arma revelou a pior falha possível de um governo: o completo desrespeito com seu povo. A amargura causada pela enchente foi significativa e contribuiu para mudanças políticas na região, levando muitos chineses a rejeitar a causa nacionalista em favor do Partido Comunista Chinês, de Mao Tsé-Tung.

Daniela Giorno é diretora de arte de Oeste e, a cada edição, seleciona uma imagem relevante na semana. São fotografias esteticamente interessantes, clássicas ou que simplesmente merecem ser vistas, revistas ou conhecidas.
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