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Foto: Shutterstock
Edição 191

A vida pós-celular

Um novo lançamento promete transformar nossa dependência da telinha brilhante

Dagomir Marquezi
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Nossa vida hoje está mais ou menos assim: acorda, olha o celular. Levanta, vai ao banheiro, olha o celular. Confere os recados, a agenda, o WhatsApp. Vai vestir uma roupa e se pergunta: como vai ser o tempo hoje? Olha o celular. 

Você olha o celular para chamar um Uber, continua de olho para ver o nome do motorista, continua olhando para ver se ele está se aproximando. Chegou. Dentro do carro, você olha fixamente o celular para ver como andam suas contas e como está a cotação do dólar. 

Dá uma olhadinha na paisagem e volta a olhar a tela para acertar uma encrenca no grupo da família, para saber quando joga seu time, para ler a última edição de Oeste, para conferir o que rola no Instagram, para ver só um pedacinho da série que deixa você ansioso, para mudar o horário da dentista. Quando finalmente dorme, você sonha que está perdido e a bateria do celular está acabando. Eu, pelo menos, sonho com essas coisas.

Ora, é um privilégio viver numa época em que todo esse poder e utilidade cabe num aparelhinho que a gente carrega no bolso. Mas estamos tão dependentes de nossos celulares que viramos uns neuróticos. Atravessamos a rua olhando para ele. Dirigimos focados na telinha. Nos encontramos com amigos num bar e todos ficam de olho nos seus respectivos.

Um mundo sem teclado

Como podemos usar todos os recursos do celular (e mais alguns) sem precisar olhar para ele o tempo todo? Como poderia ser um mundo sem (ou com menos) celular sugando nossa vida">

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O espírito de Steve Jobs

O casal de criadores fez questão de deixar claro que essa é apenas a versão 1 do sistema. Ele tem muito a evoluir. O kit completo custa US$ 699 — cerca de R$ 3,4 mil. A está sendo oferecida por US$ 24. O AI Pin usa um sistema completamente próprio, e o usuário ganha no pacote uma linha própria de celular. Por enquanto, vai funcionar só nos Estados Unidos a partir do ano que vem. 

A expectativa, segundo matéria do New York Times, é vender 100 mil kits. Pode ser que fracasse. Ou, pelo contrário, pode ser que repita o fenômeno iPod, que vendeu 381 mil aparelhos somente no seu primeiro ano de vida (2001/2002). E foi um gadget tão influente que serviu como inspiração para batizar uma nova mídia como “podcast”. Se pegar no Brasil, provavelmente será apelidado como “aipim”, sinônimo de mandioca.

Essa nova geração de utilitários de inteligência artificial é uma espécie de reação à caça às bruxas que apareceu na onda do ChatGPT. A histeria anti-IA está cedendo à lógica

Por ter trabalhado na Apple, o casal entende de tecnologia, design e marketing. Os pins são extremamente discretos e lembram as joias high tech da Apple. Esse é um projeto que parece inspirado pelo espírito de Steve Jobs: cheio de ousadia, sem medo do risco. Aposta no que o público deseja mas ainda não tem consciência disso.

Com o AI Pin — e seus futuros concorrentes — estaremos livres de olhar obsessivamente para a telinha nossa de cada dia? Usuários do Pin nesta fase experimental foram perguntados como andava a relação deles com o celular. “Mudou substancialmente” foi a resposta mais honesta. Eles continuam precisando de seu aparelho. Mas o tempo que am olhando para a tela provavelmente está caindo, dia a dia.

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A tecnologia está ficando invisível

O veterano colunista do Wall Street Journal Walter Mossberg dizia que, quanto mais a tecnologia avança, mais ela encolhe. O AI Pin é prova do conceito de discreto ao máximo. Outro exemplo veio por meio de uma marca conhecida há 87 anos. 

Você está no sol de verão com seus óculos Ray-Ban. De longe, ninguém percebe, mas na armação de seus óculos existe uma câmera de 12 megapixels e um sistema de cinco microfones, tudo conectado à internet. As hastes da armação servem como fones de ouvido. Ah, o Ray-Ban também serve para proteger os olhos com lentes escuras ou corrigir problemas oftalmológicos com lentes claras. (A Meta avisa: o produto ainda está em desenvolvimento.) 

Várias outras empresas lançaram seus smart glasses, ou óculos inteligentes: Xreal, Rokid, Razer, Lenovo. Os preços variam de US$ 200 a US$ 1,5 mil dólares. Nenhum deles é tão completo e sofisticado quanto os grandes protótipos de realidade virtual da Apple, Meta e Google. Mas são discretos e naturais. Dois cliques na haste, e a foto foi tirada. 

Essa nova geração de utilitários de inteligência artificial é uma espécie de reação à caça às bruxas que apareceu na onda do ChatGPT. A histeria anti-IA está cedendo à lógica. O clima de fim de mundo está sendo repensado. O defensor ferrenho do livre mercado Steve Forbes (editor-chefe da revista que leva seu sobrenome) defendeu sua posição com clareza em editorial: “A inteligência artificial está em sua infância. Estamos no mesmo estágio em que estávamos com os PCs e os primeiros telefones celulares décadas atrás. Regulamentar a IA quando não sabemos o que ela pode fazer é absurdo e destrutivo. À medida que evoluir, poderemos implementar barreiras de proteção sensatas”.

Uma novidade como o AI Pin tem outro lado muito positivo. Ela comprova que a tecnologia está sempre à frente de quem é obcecado em regulamentar, censurar e punir. Essa corrida está perdida para os tiranos.

Dispositivo AI Pin, desenvolvido pela startup Humane | Foto: Montagem Revista Oeste/Divulgação

@dagomir
dagomirmarquezi.com

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4 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A sensação quando carregamos o celular em 100%, o manejo de uma tela sensível ao toque por uma criança de 2 anos. São alguns dos indícios de como estamos apegados aos celulares.

  2. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Sensacional, Dagomir! Aparelho digno da condensação dos grandes inventos, como os dinossáuricos computadores originais em celulares.

  3. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    Participei da Fenasoft como expositor em 1994 na edição São Paulo. Vi e conversei com muitos interessados em nosso produto, um sistema operacional DOS Multiusuário e Multitarefa. Entre os vários visitantes um me chamou a atenção quando disse que estava preocupado não com hardware e nem software mas sim com peopleware. Pergunta: estes novos aparelhos serão usados por quem? Quem tem dinheiro? Quem tem instrução? Ou será mais um modismo para saciar os novidade-dependentes? Tecnologias novas são sempre bem vindas mas que sirvam para melhorar a estupidez humana, que é infinita conforme disse Albert Einstein.

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