Isto ou aquilo

Lula é muito mais que o principal dirigente do partido que, no primeiro quarto do século 21, controlou o governo federal por mais de 15 anos. Lula é o condutor sem concorrentes da seita que tem como único deus um criminoso condenado em três instâncias. É o dono do time que atrai qualquer craque adversário com seu poder de sedução. É o técnico que escala quem lhe der na telha. É o capitão que orienta os inexperientes. É o camisa 10 que bate todos os pênaltis, cobra todas as faltas e, nas horas difíceis, também cuida dos arremessos laterais. Todos os triunfos e acertos devem ser creditados, portanto, ao mestre que nunca erra, jamais se engana. No universo paralelo em que envelhecem, os discípulos seguem convencidos de que, se algo dá errado, a culpa é dos outros.

Eleito com o apoio militante do Poder Judiciário, Lula juntou centenas de fiéis em Brasília para a elaboração do programa de governo. Terminada a pajelança, não se produzira um só parágrafo que prestasse. Em contrapartida, ficaram mais viçosas velhas ideias de jerico. Por exemplo, presentear o MST com um Ministério do Desenvolvimento Agrário e hostilizar o Ministério da Agricultura porque, segundo Lula, “o agro é fascista”. Ou engordar o mastodonte burocrático, agora com 39 ministérios. A montagem do primeiro escalão, aliás, informa que Lula anda cada vez mais Biden, mas não esqueceu que o primeiro mandamento de um genuíno populista é impedir o crescimento de possíveis herdeiros. É o que o chefão tem feito desde a fundação do PT, em 1980.

Para evitar que algum companheiro em ascensão desconfie que, como acontece a todos, um dia a divindade sairá de cena, Lula muda a posição e o modo de jogar de eventuais sucessores. Foi o que fez nos dois primeiros governos e nos cinco anos e meio em que exerceu o poder com o codinome Dilma Rousseff. É o que tem feito desde a eleição de 2022. Se Aloizio Mercadante capricha na pose de grande economista, vira ministro da Educação ou chefe da Casa Civil, como ocorreu no governo interrompido pelo impeachment. Fernando Haddad começa a acreditar que nasceu para esperar no Ministério da Educação a mudança no trono? Que espere sentado no Ministério da Fazenda, tentando decifrar o que significa exatamente essa coisa que lhe ordenaram batizar de “arcabouço fiscal”.

Os ministérios restantes são usados pelo primeiro analfabeto funcional a presidir o país para ampliar as sempre raquíticas bancadas governistas no Congresso. Logo depois da chegada ao Planalto, Lula imaginou que resolveria o problema fechando negócio com uma fatia dos 300 picaretas que conhecera nos tempos de deputado federal. Má ideia. O escândalo do Mensalão deu cadeia, implodiu o templo das vestais simulado pelo PT e eternizou na testa da sigla o estigma irremovível. A transformação de ministério em moeda de troca ainda está na fase de testes. Mesmo parlamentares sensíveis ao vidaço de ministro acham perigoso demais apoiar o pior governo de todos os tempos.

A inflação sobe, os juros não caem, Lula vive adiando a chegada da picanha e da cervejinha, transfere para o próximo dezembro a “colheta” prometida para o anterior, mantém relações incestuosas com o Supremo Tribunal Federal e, pior que tudo, pode reprisar em 2026 o naufrágio ocorrido nas eleições municipais. De agem pelo país, Lula reuniu o Ministério para cobrar o que chamou de “entregas”. Cada um dos presentes deveria resumir em cinco minutos pelo menos cinco promessas cumpridas pelo governo. O que se ouviu caberia em cinco minutos.

O Ministério do momento talvez seja mais bisonho que o bando de bestas quadradas que ajudaram Dilma a desgovernar o Brasil. É uma proeza e tanto, confirma a evocação de duas figuras. Primeiro ministro do Turismo nomeado pela sucessora de Lula, o deputado maranhense Pedro Novais começou a montagem dos planos para atrair visitantes antes mesmo da posse. Em dezembro de 2010, decidido a conhecer de perto esse gênero de estabelecimento de alta rotatividade, Novais promoveu uma festança no melhor motel do Maranhão — e pagou a conta com parte da verba destinada a “atividades parlamentares”. Ficou quase dez meses no emprego.

Último dos três ministros do Turismo nomeados por Dilma, o ex-deputado gaúcho Alessandro Teixeira invadiu o noticiário pelo caminho oposto. Teixeira não ou de três semanas. Bastou-lhe o primeiro dia útil para reduzir a noitada do concorrente nordestino a coisa de provinciano pouco imaginoso. “Sem compromissos oficiais”, informou a anotação com letras graúdas na página da agenda reservada às atividades daquele 25 de abril de 2016 que encerrara outro superferiadão. Ao lado da mulher, Milena Santos, o ministro foi para o gabinete onde cumpririam juntos a missão: produzir em dupla uma sequência de beijos, carícias, afagos e arroubos que comporiam um ensaio fotográfico. Publicado por Milena nas redes sociais, o ensaio viralizou em poucos minutos.

Teixeira esforçou-se para parecer irritado com o que qualificou de “divulgação da intimidade do casal”. O aparente desconforto do marido colidiu com o tamanho do sorriso de Milena, que esbanjou entusiasmo em entrevistas e conversas com desconhecidos. Contou, por exemplo, que foi Miss Bumbum Miami-2013. Também revelou que o aquecimento para a performance erótica começara dois dias antes, com um ensaio ainda mais sensual emoldurado pelas reentrâncias e saliências do prédio do Congresso. Trajava apenas uma diminuta calcinha branca e uma faixa com as cores da bandeira do Brasil.

“Agora sou primeira-dama do Ministério do Turismo”, comunicou, exibindo um punhado de fotos em que aparecia abraçando e beijando Lula. “Foi em 2013”, recordou. “Esperei quase sete horas para conseguir me aproximar dele. Estou eufórica até agora. Minha vida mudou.” Para melhor, claro. É muito bom estagiar no primeiro escalão, mesmo que por tão pouco tempo. Teixeira, por exemplo, continuou a receber o salário integral de ministro pelos seis meses seguintes. Essa é a quarentena fixada pelo Conselho de Ética da Presidência para detentores de “informações estratégicas para o país” momentaneamente desempregados.

O governo Lula 3 tem 39 ministérios. E tem Janja, que pelo critério da milhagem vale mais meia dúzia. Nenhuma mulher de presidente fez tantas viagens na história do Brasil. Neste ano, está dez dias à frente de Lula. É uma façanha de impressionar herói olímpico. O problema é que os eios de Janja são financiados pelos pagadores de impostos. Como serão bancados por nós os golpes bilionários aplicados nas catacumbas do INSS.

A turma no governo se divide em dois tipos: os incapazes e os capazes de tudo.

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